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Covid-19: é possível se reinfectar depois de curado?

13/08/2020 13h38

Enquanto os laboratórios protagonizam uma corrida contra o relógio em busca de uma vacina contra a covid-19, pairam dúvidas e diversas possibilidades sobre a continuação da pandemia. Em países que enfrentaram ou ainda lutam contra a primeira onda da doença, o principal questionamento é sobre a imunidade dos pacientes que foram contaminados e a possibilidade que ele volte a se infectar.

Algumas pesquisas já mostram que, depois de contaminados pelo coronavírus, os pacientes desenvolveram anticorpos que podem durar de algumas semanas a alguns meses. No entanto, cientistas alertam que nem todas as pessoas reagem de forma similar à doença e a imunidade pode não ser a mesma em indivíduos assintomáticos ou doentes que apresentaram sintomas durante muito mais tempo do que a média.

Na quarta-feira (12), a China anunciou que uma mulher de 68 anos que foi infectada pelo coronavírus em fevereiro e que tinha se curado, voltou a apresentar sintomas. Submetida a um exame há alguns dias, ela testou novamente positivo ao coronavírus.

No Brasil, no início deste mês, uma técnica de enfermagem diagnosticada com Covid-19 em maio voltou a apresentar sintomas e testou positivo em junho. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP), conduzido pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, confirmou a possibilidade de um novo contágio.

No entanto, os pesquisadores ressaltam que "a constatação traz implicações clínicas e epidemiológicas que precisam ser analisadas com cuidado pelas autoridades em saúde". Em um artigo publicado no American Journal of Emergency Medicine, em junho deste ano, os autores da pesquisa também dizem trabalhar com a hipótese de "recidiva clínica da Covid-19, de forma semelhante a apenas um outro caso clínico relatado em Boston (EUA)".

Embora ainda não seja comprovado cientificamente que é possível que um paciente volte a se contaminar, especialistas não descartam a possibilidade, explica à RFI Richard Voegels, diretor de Rinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

"Esse é um vírus bastante novo e ainda não o conhecemos bem. Mas como é um vírus respiratório, ele pode realmente reinfectar. Se pegarmos como exemplo o H1N1, sabemos que as pessoas que foram contaminadas podem voltar a pegá-lo. Existe uma certa imunidade quando a pessoa é infectada, mas, no caso da Covid-19, não sabemos por quanto tempo", diz.

Testes não são infalíveis

Voegels também afirma que é necessário ser cauteloso em relação a sucessivos resultados positivos de testes. Segundo ele, restos genéticos do vírus podem permanecer durante semanas no organismo e "até três meses no nariz".

"Tive uma paciente que pegou a Covid em março e seu PCR indicou positivo durante doze semanas. Isso não quer dizer que ela teve uma nova infecção. O que acontece é que ela tinha restos genéticos do vírus no nariz."

O especialista alerta que, em alguns casos, os pacientes podem ter pego outro vírus com sintomas similares - como a própria gripe - semanas ou meses depois de ter se curado do coronavírus, mas testaram novamente positivo à doença devido a resquícios do vírus no organismo. "Por isso é complicado afirmar com certeza que houve uma reinfecção por coronavírus. É preciso que cada caso seja bem investigado", reitera.

Em entrevista à France Info, a virologista francesa Anne Goffard fala sobre o comportamento variado do vírus, que pode levar à impressão de uma segunda contaminação. Segundo ela, em pessoas que desenvolvem formas severas da doença, com comprometimento dos pulmões, "o vírus desce do nariz às vias respiratórias e aos pulmões depois de 3 a 5 dias".

Assim, o teste PCR pode indicar negativo, porque o exame analisa o material presente no nariz, mas o vírus ainda pode estar no organismo. Foi o caso de um paciente da cidade de Chengdu, na China, que precisou ser readmitido no hospital dez dias depois de ter recebido alta devido a um diagnóstico precipitado que apontou para sua cura, relata a agência Reuters.

Esse tipo de situação está longe de ser exceção. Segundo estudos realizados pela universidade Johns-Hopkins, nos Estados Unidos, a taxa de "falsos negativos" seria de 38% no dia do aparecimento dos sintomas e de 20% três dias mais tarde.

Mutações do vírus podem contribuir para reinfecção

Para explicar essas novas contaminações, uma outra pista pode ser explorada: as múltiplas versões da Covid-19. De acordo com um estudo germano-britânico, publicado em março, haveria três grandes variantes do novo coronavírus. Já a equipe chinesa da Escola de Medicina da Universidade de Zhejiang, identificou 33 mutações do Sars-CoV-2 em abril. Em agosto, o Vietnã anunciou ter identificado uma nova e mais forte variante do vírus, que poderia ser a responsável pelo aumento de casos no país - hipótese que não foi cientificamente comprovada.

"É isso que acontece com os vírus respiratórios, eles vão mutando aos poucos. Se a mutação é mínima, as chances de de reinfectar, a princípio, é baixa. Mas se a mudança for maior, há mais chances de pegá-lo novamente. No entanto, na recontaminação, a tendência é que ele se manifeste de maneira mais fraca porque o indivíduo já vai ter uma imunidade parcial. Ou seja, já se criou anticorpos contra o vírus", explica Voegels.

O especialista lembra que um vírus é formado por várias proteínas e que, ao ser contaminada, a pessoa produz anticorpos para cada um desses componentes. Na mutação, o vírus vai modificar algumas de suas proteínas, mantendo outras "originais". Isso significa, que em caso de novos contágios, a pessoa terá uma imunidade parcial, pois ainda conta com a proteção contra algumas proteínas.

"O vírus não vai mudar 100% de uma hora para outra, o que faz que, após sermos infectados, teremos uma certa imunidade contra ele durante algum tempo. Pode ser que daqui a 10 anos sua mutação seja total e possamos desenvolver uma forma grave da doença novamente", ressalta.

O epidemiologista Antoine Flahault, que dirige o Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra, na Suíça, salienta que, no caso do coronavírus, "as mudanças registradas até o momento são mínimas e dizem respeito a partes pouco significativas de seu RNA, o genoma do vírus.

"Em nenhum momento percebemos uma diferença na transmissão ou na potência do vírus nas mutações que observamos", disse, em entrevista à France Info. Segundo ele, não há, até agora, "mutações substanciais" no Sars-CoV-2.

Embora cientistas ainda não tenham conseguido chegar à conclusão sobre reinfecções da Covid-19, Flahault também defende a hipótese. "As novas contaminações são possíveis mesmo para os vírus que resultam em imunidade ao organismo", sublinha.

"Medicamentos ou doenças como a mononucleose podem diminuir a imunidade de uma pessoa de maneira transitória e às vezes de maneira permanente", reitera. Ele cita como exemplo pessoas contaminadas pelo HIV que, devido à imunodeficiência, foram infectadas novamente pela varicela.

Voegels lembra também que, por enquanto, não há relatos numerosos sobre reinfecções de Covid-19, o que pode ser um indício importante do comportamento da doença. "Eu, pessoalmente, acredito que é possível pegar de novo, mas acho que pode demorar um ou dois anos para uma nova contaminação, não vai acontecer dois meses após o primeiro contágio", diz, ressaltando que a questão ainda precisa ser melhor estudada pelos especialistas.