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Destruição da Amazônia é destaque de festival de fotojornalismo no sul da França

04/09/2020 06h20

As imagens chocantes das queimadas da floresta amazônica, que foram capa do jornal The New York Times, são um dos destaques do festival Visa pour l'Image, que acontece em setembro em Perpignan, no sul da França. O autor das fotos é o brasileiro Victor Moriyama. 

O evento, em formato compacto e com versão online, faz um apanhado do ano que se passou através de fotografias. Como tantos outros grandes encontros culturais, o festival esteve ameaçado de não se concretizar por causa da pandemia. "É a primeira vez em 32 edições que enfrentamos uma crise universal, que afetou todos os países", disse Jean-François Leroy, criador do festival à RFI. "Acho que - felizmente - a pandemia vai acabar, mas para a poluição e as ameaças que sofrem o planeta, pode ser tarde demais", acrescenta.

Nesse contexto, as imagens de Victor Moriyama refletem a catastrófica realidade que coloca o  governo do Brasil como um dos grandes vilões da atual destruição galopante da biodiversidade. Por causa da Covid-19, o jornalista não pôde estar presente à exposição em Perpignan, mas falou por telefone com a RFI. 

Victor, como surgiu esse projeto?

Esse trabalho é consequência de dois meses de investigação profunda para entender e poder mostrar um pouco as raízes e os pilares do desmatamento na Amazônia que, claro, é um processo histórico, que vem acontecendo, infelizmente, ao longo dos anos, mas que se agravou muito no ano passado por vários fatores, entre eles uma espécie de encorajamento para os crimes ambientais, mesmo de maneira indireta, por parte do governo federal. A gente viu uma ausência de fiscalização muito grande e situações inéditas, como por exemplo, o céu aqui da cidade de são Paulo, distante milhares de quilômetros da floresta amazônica, de um dia para outro, de repente, veio uma enorme nuvem de fumaça e três da tarde já estava escuro, como se fosse noite. Foi um marco, foi consequência de um evento chamado "dia do fogo", quando vários produtores rurais atearam fogo em áreas de reserva e, portanto, protegidas. Foram crimes ambientais e isso chamou a atenção da sociedade internacional. Vimos mobilizações em varias cidades do mundo, protestando contra o desmatamento da Amazônia, e eu acabei me debruçando nesse trabalho para o New York Times. Eu venho trabalhando praticamente só para o jornal nos últimos dois anos. Foram dois meses em várias regiões da Amazônia, tentando documentar um pouco esses pilares do desmatamento. É importante que as pessoas entendam o processo de grilagem como carro-chefe do desmatamento, essa grande cadeia de destruição da floresta.

E como foram as reações às suas fotos?

Isso acabou chocando o mundo. Quando eu estava em campo, eu compartilhei imagens no Instagram, muitas pessoas acabam se informando por ele, para verem e entender o que está acontecendo. É a essência da nossa profissão, estamos sempre no lugar onde as coisas acontecem, sempre no front de batalha, não em alusão à guerra em si, mas nas guerras que acontecem ao redor do mundo. O jornal também acabou publicando várias imagens das queimadas na capa e isso acabou tendo uma grande repercussão. O Leonardo di Capprio, por exemplo, republicou várias fotos minhas, é interessante ver como essas imagens viralizaram, elas vêm carregadas de uma condição de engajamento da sociedade internacional. Acho importante que a gente se engaje para entender o que está acontecendo no nosso planeta, e poder cuidar dele. Os olhos se voltaram para o Brasil mais uma vez, infelizmente fruto de uma má administração, chamando atenção para os lados negativos e os absurdos que acontecem aqui, mas enfim, que isso de uma maneira ajude a que outras decisões e outros gestos de conservação para tentar frear um pouco esse desmatamento e reverter esse quadro, que isso possa acontecer. Mas infelizmente o que a gente tem visto aqui este ano, por exemplo, são taxas de desmatamento que continuam batendo recordes, e continuam muito fortes. 

E a pandemia, como afetou o seu trabalho?

Eu me lembro direitinho, eu estava na Argentina fazendo uma reportagem para o jornal e a Argentina já estava querendo fechar a fronteira, tivemos de voltar correndo, eu e o correspondente do jornal no brasil, o Ernesto Londoño. No dia seguinte, a Argentina fechou a fronteira, e praticamente começaram aqui também as medidas de distanciamento social e isolamento, a quarentena de fato aqui em São Paulo. Mas acho que é essa a nossa missão como jornalista. Pode acontecer uma invasão alienígena, uma guerra nuclear, o que seja, a gente vai sempre estar na rua reportando o que está acontecendo. Essa é a nossa missão e isso ficou ainda mais claro para mim neste momento de pandemia. Minha vida mudou drasticamente, nunca fiquei aqui na cidade onde moro por mais de um mês. Estou sempre viajando em campo, aqui ou na América do Sul. Faz cinco meses que não viajo. A pandemia alterou significativamente a minha vida, a maneira como a gente trabalha. Para o fotógrafo, é importante estar perto das pessoas, fotografá-las com intimidade. Esse contato, com todo esse distanciamento, alterou totalmente a maneira como a gente faz o jornalismo. Enfim, a gente precisa se adaptar, como todo mundo está fazendo. Mas de fato reforça um pouco esse compromisso de documentar um momento histórico. É a missão do jornalismo e eu me sinto sempre muito empenhado nessa missão.

O Festival Visa pour l'Image acontece em Perpignan até o dia 27 de setembro de 2020.