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Anúncio de Trump de substituta de Ginsburg na Suprema Corte deve acirrar tensão política nos EUA

25/09/2020 12h27

O clima político nos Estados Unidos já estava pesado e, desde sexta-feira (18) da semana passada, a tensão só aumentou com a morte de Ruth Bader Ginsburg (RBG), a célebre juíza progressista da Suprema Corte americana. Nesse sábado (26), Donald Trump vai anunciar em um evento na Casa Branca quem escolheu para ocupar a vaga de RBG. Isso dará início a mais uma batalha entre conservadores e liberais na capital americana que, a pouco mais de um mês das eleições presidenciais, já se encontra em clima de disputa acirrada.

Ligia Hougland, correspondente da RFI em Washington

Sabe-se que Trump vai nomear uma mulher para ocupar a cadeira de Ginsburg e que a juíza será conservadora. O presidente americano tem uma lista de cinco nomes possíveis, mas a candidata mais provável de ser nomeada é Amy Coney Barrett. A juíza de 48 anos atua em Chicago e é socialmente conservadora, o que agrada aos republicanos.

Ela trabalhou para Antonin Scalia, juiz da Suprema Corte que faleceu em 2016 e era um ícone do partido. Barrett é católica e tem 7 filhos, sendo que dois são adotados e naturais do Haiti. Assim como Scalia, ela é vista como uma "originalista", ou seja, ela é uma jurista que se detém ao texto original da Constituição, conforme essa foi escrita no final do século 18, evitando interpretações contemporâneas. Os juristas que seguem essa escola são contra a ideia de que a constituição seja "viva" e, portanto, adaptável ou dinâmica.

Outros nomes cotados são os das juízas Barbara Lagoa e Allison Jones Rushing. Lagoa é filha de imigrantes cubanos e sua nomeação agradaria aos eleitores hispanos que Trump tanto quer conquistar. Rushing, aos 38 anos, é jovem para o cargo e é vista pelos republicanos de linha dura como uma "estrela" por já ter trabalhado com grupos cristãos conservadores. Ela é a candidata mais combatida por ativistas progressistas.

Após a indicação de Trump, o Senado, de maioria republicana, deve realizar a votação da candidata o mais rápido possível. A oposição democrata será intensa. A briga deve repetir o processo de nomeação de Brett Kavanaugh, em 2018. O juiz católico foi acusado pelos democratas de assédio sexual quando era estudante de ensino médio e universitário. O clima promete ser ainda mais feroz, pois Trump pode conseguir que a Suprema Corte se torne mais simpática a causas conservadoras ao substituir a liberal Ginsburg por uma conservadora.

Temas sensíveis

Quando se trata da Suprema Corte e de divisões políticas nos Estados Unidos, o tema central é o aborto. Os democratas temem que uma corte conservadora possa derrubar a decisão de 1973, chamada de Roe v. Wade, que garantiu o direito constitucional ao aborto. Grupos conservadores sem dúvida pressionarão a corte com esse fim.

Além disso, os democratas dizem que uma Suprema Corte de maioria conservadora seria prejudicial para os direitos de minorias como homossexuais. Os republicanos também aproveitam para assustar os eleitores com a ideia de uma instância extremamente progressista poderia, inclusive, tirar o direito garantido pela segunda emenda da constituição americana de os cidadãos possuírem armas de fogo.

Suprema corte de maioria conservadora

Há sempre muito jogo político na disputa para preencher vagas na Suprema Corte, especialmente em ano de eleição presidencial. Com a morte de Ginsburg, a Suprema Corte conta agora com cinco juízes nomeados por presidentes republicanos e três por democratas. Se Trump de fato conseguir que sua nomeada seja aprovada, a corte terá uma composição bem menos equilibrada que no passado. Desde que chegou ao poder, Trump já nomeou dois juízes.

No entanto, em relação à questão do aborto, uma maioria de juízes conservadores não significa necessariamente que as mulheres americanas perderão o direito de escolher o desfecho de sua gravidez. Para que um processo seja julgado pela mais alta instância jurídica americana é preciso que pelo menos quatro dos seus juízes aprovem a sentença.

Os três representantes liberais que agora compõem o tribunal não votariam um caso que pudesse derrubar Roe v. Wade. Além disso, é muito provável que pelo menos um conservador também não o aceite.

Os juízes da Suprema Corte tradicionalmente atuam de forma apartidária, e os americanos ainda têm grande confiança no mais alto tribunal do país. Neil Gorsuch, que foi nomeado por Trump em 2017, decepcionou evangélicos e conservadores de linha dura ao se posicionar, este ano, contra a demissão de funcionários devido à orientação sexual.

Republicanos querem nomeação antes das eleições

Os republicanos dizem que vão agilizar a votação da nomeada por Donald Trump, apesar das eleições presidenciais acontecerem em poucas semanas, em 3 de novembro. No entanto, em 2016 eles tinham uma posição oposta.

Há quatro anos, os republicanos se recusaram a fazer uma votação para indicar o nomeado de Barack Obama. Na época, eles disseram que não era certo nomear um novo juiz para a Suprema Corte em ano de eleição presidencial.

A mudança de posição serviu para expor ainda mais a hipocrisia dos políticos em Washington. Circula nas redes sociais um vídeo, de 2016, do senador republicano Lindsey Graham, que encabeça o Comitê Judiciário no Senado, afirmando que jamais permitiria que um presidente de seu partido nomeasse um juiz para a Suprema Corte em um ano de eleição. Agora, Graham não tem nenhum problema em quebrar a promessa.

Há também muitas declarações dos democratas em 2016 contradizendo o que dizem atualmente sobre a nomeação de um juiz para a corte em ano de eleição.

Consequências

Se as pesquisas estiverem certas, o candidato democrata Joe Biden deve vencer a eleição presidencial. Se a nomeação da candidata escolhida por Trump para a Suprema Corte for bem-sucedida, os americanos serão forçados a aceitar uma decisão que o presidente tomou praticamente quando saía da Casa Branca e que terá uma longa repercussão, apesar de terem se manifestado nas urnas a favor de uma plataforma liberal.

Por outro lado, se Trump e o Senado perderem essa oportunidade, isso pode ser visto por seus eleitores como uma negligência política ou até mesmo traição, o que lhes custaria muito caro politicamente. O líder do Senado, Mitch McConnell, afirmou que a nomeação da escolhida por Trump acontecerá de qualquer maneira. Somente um acontecimento bombástico poderia impedir isso.

Votação antecipada

A eleição presidencial acontece oficialmente em 03 de novembro, mas um número recorde de eleitores já votou. Como precaução por causa da pandemia, muitos americanos aproveitam a possibilidade de votar antecipadamente pelo correio para evitar sessões eleitorais lotadas. Eles também quererem garantir que sua cédula seja efetivamente contabilizada.

Todos os partidos políticos suspeitam que haverá fraude nas eleições presidenciais deste ano, especialmente com tantos votos sendo enviados pelo correio. No estado da Virgínia, onde ficam alguns dos subúrbios mais ricos e politizados de Washington - e predominantemente democrata - os eleitores começaram a votar há uma semana. Mesmo assim, as filas já estavam grandes.

A morte de Ginsburg serviu para motivar ainda mais os americanos que veem a eleição presidencial deste ano como a mais importante da história recente dos Estados Unidos. O país está vivendo um período de polarização que alguns historiadores dizem ser ainda mais tenso do que durante as crises políticas e sociais das décadas de 1960 e 1970.

Até recentemente, os republicanos estavam orgulhosos de seu sucesso em cadastrar eleitores. Mas desde o falecimento de RBG, em 18 de setembro, o partido democrata viu um aumento enorme no cadastro de seus eleitores, que, até então, pareciam não estar muito entusiasmados com Biden.

Nessa quinta (24), Trump foi vaiado por partidários democratas ao visitar o velório de Ginsburg na Suprema Corte. Mais tarde, o presidente disse que nem ouviu as vaias de onde estava e desafiou Biden a apresentar uma lista de seus candidatos ao tribunal. Trump diz que seu rival se recusa a divulgar quem nomearia porque sabe que a lista seria tão radicalmente de esquerda que assustaria até mesmo os eleitores democratas.

A chance de a Suprema Corte -completa com nove juízes ou não - ter de resolver um impasse quanto ao resultado da eleição presidencial deste ano não é pequena. O processo de nomeação para a vaga de RBG nas próximas semanas certamente trará à tona muitos escândalos e batalhas violentas em Washington.