Topo

Decapitação de professor revela espaço que extremistas desfrutam sem ser incomodados na França

19/10/2020 11h08

O assassinato do professor de história e geografia Samuel Paty, 47 anos, na última sexta-feira (16), decapitado por um checheno de 18 anos por ter exibido imagens do profeta Maomé em uma aula sobre liberdade de expressão, provoca questionamentos na imprensa francesa sobre o militantismo radical islâmico de indivíduos fichados pelos serviços de inteligência por ameaça terrorista.

Este é o caso do marroquino Abdelhakim Sefrioui, 61 anos, que se autoproclama um imã, pregador que conduz as orações durante o culto muçulmano. Ele está entre as 11 pessoas detidas pela polícia logo após o crime bárbaro, pois havia acompanhado o pai de uma aluna para prestar queixa na polícia contra o professor, devido aos desenhos de Maomé, e por ter divulgado vídeos vingativos contra Paty nas redes sociais.

 "Sefrioui é um extremista notório", se insurge o Le Figaro. "Um homem que exerce pressão sobre as instituições republicanas há 25 anos, particularmente a escola pública", acrescenta o Libération. 

"Qualquer que seja a conduta judiciária em relação a esse homem ao término de sua custódia policial, ele é um dos atores-chave do drama ocorrido com o professor", destaca o Le Figaro. O jornal recorda que Sefrioui referiu-se à exibição de imagens de Maomé em sala de aula como uma atitude "abjeta"; chamou o professor de "bandido"; disse que ele teve um comportamento "irresponsável e agressivo", consequência, segundo Sefrioui, do "apelo do presidente da República ao ódio aos muçulmanos". 

De acordo com o Le Figaro, Sefrioui tornou-se cidadão francês pelo casamento com uma mulher francesa convertida ao islamismo, tão implicada na propagação de ideias radicais quanto ele. "Sefrioui é um ativista antissionista no limite do antissemitismo", escreve o diário. Suas atitudes extremadas, observadas ao longo de anos pela Inteligência, fizeram com que seu nome entrasse para o cadastro de radicais islâmicos, conhecidos como "ficha S". 

Militante ativo na capital e em cidades da periferia de Paris, Sefrioui criou, em 2004, o coletivo Xeque Yassin, em referência ao fundador do Hamas morto pelo Exército israelense naquele ano. Nesta associação, ele expandiu seu ativismo anti-israelense e antissionista, com forte conotação antissemita, reitera o Le Figaro. Ele chegou a ser detido duas vezes para interrogatório, mas nunca esteve preso. 

"Sefrioui era conhecido dos serviços de informação, pois tinha livrarias islâmicas mais ou menos clandestinas perto de estações de metrô em Paris", complementa o jornal Libération. Outra prática duvidosa revelada pela publicação é que o marroquino convocava com frequência fiéis muçulmanos a rezar no meio da rua, o que é proibido por lei.

"Em 2014, Sefrioui participou de manifestações pró-palestinas em que exortava os participantes a combater 'as hordas de sionistas'", reporta o Libé. A lista dos sinais de extremismo é longa. Inclui desde militância na porta de escolas para apoiar meninas muçulmanas que usavam saias até os pés, num sinal religioso ostensivo que é proibido pela escola pública laica, até uma tentativa de inserção na política, quando fez parte da equipe de campanha do humorista Dieudonné, um polemista antissemita que tentou se candidatar à eleição presidencial, em 2006.   

Com essa trajetória, no dia 12 de outubro, poucos dias antes do assassinato do professor Paty, Sefrioui se apresentou nas redes sociais como um membro do Conselho dos Imãs da França, uma instituição que nunca fez parte das entidades religiosas oficiais reconhecidas no país. 

A imprensa francesa questiona, não sem razão, como este homem pôde propagar suas ideias radicais sem ser importunado pelas autoridades francesas durante tantos anos.