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Terrorismo, lavagem de dinheiro: como diminuir uso criminoso de criptomoedas?

21/10/2020 10h31

As criptomoedas estão na mira do governo francês, que prometeu "reforçar o controle" da movimentação de moedas virtuais para combater o terrorismo. Segundo o ministro da Economia, Bruno Le Maire, as criptomoedas podem estar financiando associação islâmicas suspeitas e redes extremistas em solo francês.

Desde a aparição desse sistema paralelo de transações financeiras, popularizado graças aos rentáveis Bitcoins, há mais de 10 anos, as atividades criminosas por meio dos criptoativos representam um desafio para as autoridades governamentais e policiais. Descentralizado, o ambiente virtual é propício à atuação anônima, que pode resultar em crimes como lavagem de dinheiro, sequestros online e financiamento ilegal.

"Não temos a certeza de que os terroristas utilizem muito as criptomoedas. Há alguns casos registrados, como pelo Hamas, se considerarmos o grupo palestino terrorista", afirma o professor emérito da Universidade de Lille Jean-Paul Delahaye, respeitado pesquisador da área de informática. "Mas é verdade que, por meio delas, é fácil fazer circular dinheiro em espécie, maços de notas de US$ 100, um método evidentemente usado pelo tráfico."

Além da famosa Bitcoin, que concentra cerca de 70% do mercado, existem mais de 3 mil criptomoedas em circulação. As mais sérias identificam os usuários por pseudônimo e código IP - mas nem todas são cuidadosas na rastreabilidade dos clientes.

Além disso, para se tornarem dinheiro "real" é preciso passar por uma operadora, chamada de exchange. Se ela atua conforme a lei, também deve registrar a identidade dos usuários.

"Não é sempre o caso. Tem algumas operadoras que estão fora da lei e quando são identificadas, seus responsáveis vão parar na prisão. Mas não é tão fácil comprar criptomoedas de maneira totalmente anônima e trocá-las por dinheiro vivo, já que existe essa obrigação de identificação dos usuários, chamada de KYC", explica Delahaye.

Identificação dos usuários

Para o pesquisador Daniel Steinberg, coordenador do Grupo Interinstitucional Direito, Moeda e Finanças da USP (Universidade de São Paulo), o primeiro passo para melhorar a segurança do sistema seria exigir mais controle das operadoras - que representam a parte mais exposta desse mercado.

"Acho que, para dar um nível de proteção maior, poderia expandir o registro obrigatório para a transmissão entre criptomoedas. Esse é um caminho natural: você faz a transferência para outros endereços públicos, para outras pessoas que usam criptomoeda e você cria uma cadeia de transmissão. Se ela for longa, perde-se o rastro", observa Steinberg. "Ou seja, incluir outros tipo de serviços para o registro obrigatório dá mais segurança para todos que usam e mitiga os riscos de lavagem de dinheiro ou terrorismo."

O aperfeiçoamento do sistema está na mesa de governos e Bancos Centrais do mundo todo. A questão do anonimato nas transações é crucial, mas também controversa, ao se misturar ao direito à privacidade dos usuários. Para Jean-Paul Delahaye, apenas as pequenas movimentações tendem a escapar de controles reforçados.

"Isso seria muito cômodo porque não temos necessariamente vontade de ser identificados quando compramos um pão na padaria, a exemplo do que acontece hoje com o dinheiro líquido", indica o francês. "Por outro lado, poder movimentar uma quantidade ilimitada de dinheiro anonimamente é algo intrinsecamente perigoso. Não consigo compreender por que, até hoje, isso não foi proibido. Os governos, de maneira geral, tanto nos Estados Unidos quanto na França, na Alemanha ou qualquer lugar, parecem um pouco tímidos, intimidados pela ideia de que esse é o futuro, então não ousam legislar e matar o ovo de uma tecnologia que pode ser importante", avalia o professor emérito da Universidade de Lille.

Bancos Centrais se mexem para lançar suas moedas virtuais

No Brasil, três projetos de lei de regulamentação dos criptoativos estão em tramitação no Congresso. O PIX, sistema de pagamentos instantâneos lançado pelo governo federal em julho, pode culminar em uma moeda virtual, conforme o próprio Banco Central.

"Tem que ser uma regulamentação inteligente. A gente não pode, de forma nenhuma, criar uma gaiola de ferro para a tecnologia. Não podemos perder o bonde tecnológico que estamos vivendo, mas também temos de tomar cuidado com os efeitos dessa tecnologia", sustenta Daniel Steinberg."Eu acho que esse é um caminho que não tem volta. Os bancos Centrais vão lançar as próprias moedas digitais. As moedas virtuais deles terão uma tecnologia de ponta e vão pegar um pouco desse bonde, mas vão incorporar, por exemplo, que a unidade de conta seja denominada em moeda oficial", diz o pesquisador da USP.

Na Europa, França, Alemanha, Espanha, Itália e Holanda têm pressionado a Comissão Europeia a adotar regras mais rígidas para a atuação das criptomoedas no território europeu. O Banco Central do bloco começou a consultar os países que adotam a moeda única para um projeto de euro virtual.