Topo

Leia detalhes do discurso de Macron que emocionou a França

22/10/2020 13h01

O discurso do presidente Emmanuel Macron encerrou nesta quarta-feira (21) a homenagem nacional ao professor francês que se tornou um símbolo da liberdade de expressão, após ser decapitado por um extremista islâmico, aos 47 anos, depois de exibir caricaturas do profeta Maomé numa aula.

Ao som de "One", do grupo irlandês U2, o corpo de Samuel Paty entrou no pátio da Universidade Sorbonne, em Paris, na noite desta quarta-feira (21), carregado pela Guarda Republicana  "Nós somos um" diz a letra da música, escolhida pela família para aquele momento.

Um colega "que caiu porque fez a escolha de ensinar, que foi assassinado porque quis que seus estudantes virassem cidadãos", disse Christophe Capuano, professor e amigo da vítima, que discursou diante dos 400 convidados reunidos nesse templo do conhecimento, de mais de 8 séculos.

Em seguida foi lida uma carta escrita por Albert Camus ao seu primeiro professor, Louis Germain, no dia em que ele recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, em 1957. 

Eles não merecem

O presidente Emmanuel Macron preferiu ignorar o assassino e aqueles que contribuem com atos terroristas. Não pronunciou sequer um nome. "Não falarei do cortejo terrorista e seus cúmplices e da covardia que tornou possível esse atentado, eles não merecem", disse o chefe de Estado.

Macron preferiu exortar a necessidade de uma França unida, algo que descreveu como precioso e que os franceses conhecem. Assim como as palavras justiça e exigência. O presidente não quis dar voz às atrocidades, nem divulgar dados sobre os envolvidos no crime, pois disso a investigação já se ocupa e ele prometeu ir até o fim. Sete pessoas, entre elas dois adolescentes, foram indiciados por envolvimento ou cumplicidade com o assassinato do professor.

Na homenagem desta quarta-feira, o presidente escolheu falar do filho que a República perdeu. E também do irmão, tio, pai, colega, professor. Um homem capaz de passar as noites estudando a história das religiões para melhor compreender seus alunos e suas crenças. Alguém que ajudava "a construir republicanos, capazes de encontrar a verdade por si mesmos", lamentou Macron.

Era esse o combate de Samuel Paty, alguém que tinha paixão pelo conhecimento, e a cujas ideias o presidente prometeu dar seguimento. "Nós amamos nossa Nação, sua geografia e sua história e queremos ensinar isso a nossos estudantes", disse Emmanuel Macron, prometendo "proteger e valorizar os professores, na escola e fora dela".

Crime na rua

O crime aconteceu na sexta-feira (16) em plena rua, a 300 metros da escola Bois d'Aulne, onde a vítima ensinava história e geografia, em Conflans-Sainte-Honorine, uma pequena cidade de 35 mil habitantes, a 50 quilômetros de Paris.

O caso chocou a França, provocando uma onda de manifestações pelo país. Apesar da ameaça do coronavírus, milhares de pessoas saíram às ruas nas principais cidades para homenagear Samuel Paty, que foi decapitado quando voltava para casa depois do trabalho.

 Por que Samuel Paty?

Na cerimônia desta quarta-feira, o líder francês perguntou "por que Samuel Paty foi morto"? Ele não era um alvo principal, "pois só ensinava", ponderou Macron. Essa nova vítima do terrorismo, afirmou o presidente, "era justamente alguém que leu o Corão, que respeitava os alunos e se interessava à civilização muçulmana".  

"Ele foi morto precisamente por tudo isso. Porque encarnava a República que renasce a cada dia nas salas de aula, a liberdade que se transmite e se perpetua na escola", afirmou o chefe de Estado francês. 

"Samuel Paty foi morto porque os islamitas querem o nosso futuro", bradou Emmanuel Macron. "E porque eles sabem que com heróis tranquilos como ele, eles não o terão jamais".

Macron ainda fez comparações: "eles separam os fiéis dos descrentes. Samuel Paty só conhecia os cidadãos. Eles se fartam de ignorância, ele acreditava no saber. Eles cultivam a raiva do outro, ele queria ver os rostos e descobrir a riqueza da diferença", afirmou.

Conspiração funesta

O presidente, então, resumiu: Samuel Paty "foi a vítima da conspiração funesta, da burrice, da mentira, da raiva do outro e do que profundamente e existencialmente nós somos".

Desde 2015, a França sofre uma série de ataques extremistas que deixaram, até agora, 258 mortos. Em janeiro de 2015, a revista satírica Charlie Hebdo foi atacada por dois jihadistas, que fizeram um massacre, matando alguns dos mais famosos cartunistas do país. Em setembro, duas pessoas ficaram gravemente feridas em um ataque a faca perto da antiga sede da revista satírica, que republicou charges com a figura do profeta Maomé.

Na noite desta quarta-feira, antes de encerrar, Macron prometeu determinação: "continuaremos professores", para "defender a liberdade e a laicidade". "Não renunciaremos à caricatura e ao desenho", reforçou. E "daremos as chances que a República deve dar à juventude, sem discriminação", acrescentou.

"Ensinaremos literatura, música, amaremos o debate, os argumentos razoáveis, a persuasão, a ciência e a controvérsia", nessa luta que o presidente chamou de "combate pela liberdade e pela razão". "Na França, as luzes não se apagam nunca", concluiu.