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Retrospectiva da cineasta Maria Augusta Ramos na França "revela face sombria" do Brasil

27/10/2020 15h48

Até 5 de novembro, seis de documentários da premiada cineasta brasileira serão exibidos na Cinemateca de Toulouse e depois em várias cidades franceses. A retrospectiva da obra de documentarista Maria Augusta Ramos, organizada pelo Festival Cinélatino, deveria ter acontecido em março, mas foi adiada devido ao início da epidemia de Covid-19 na França. A abertura do evento nesta quarta-feira (28) coincide com o anúncio de novas medidas restritivas pelo governo francês para conter a segunda onda de contaminações.

Por enquanto, apesar do toque de recolher em vigor, a retrospectiva está mantida e Maria Augusta Ramos, que está na Holanda, onde mora parte do tempo, poderá ir a Toulouse apresentar os documentários e debater com o público. A cineasta está muito honrada com a homenagem na França, cujo cinema influenciou sua obra, e feliz que o evento seja mantido nesse momento de incertezas, que atinge particularmente o setor cultural. "É muito importante fomentar e incentivar a cultura, a arte, principalmente neste momento tão difícil, não só no Brasil, mas no mundo todo em relação à Covid", disse em entrevista à RFI.

Seis documentários de Maria Augusta Ramos estão programados:  "Justiça" de 2004, sobre audiências de cinco réus em varas criminais do Rio de Janeiro; "Juízo" de 2007, sobre processos de infratores menores; "Morro dos Prazeres" de 2013, sobre a vida em uma comunidade após a instalação da UPP; "Futuro Junho" de 2015, sobre o cotidiano de 4 jovens antes da Copa do Mundo de 2014; "O Processo" de 2018, sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff; e "Não Toque em Meu Companheiro" de 2020, sobre a ação vitoriosa para a reintegração de bancários demitidos no governo Collor. Depois de Toulouse, os filmes também serão exibidos em outras cidades francesas.

Retrato do Brasil

A cineasta acha que, de uma certa maneira, esses documentários são um retrato do Brasil. "Os filmes 'Justiça' e 'Juízo' se mantêm muito atuais. Infelizmente, muito pouco mudou em relação ao sistema prisional e da justiça criminal no Brasil. (...) Eles revelam uma face muito sombria do Brasil no sentido de um racismo, desigualdade social e preconceito. Essas pessoas são tratadas como coisas, como a gente vê agora na Covid. Qual é o luto por essas milhares de pessoas, grande parte pobres, que estão morrendo?", questiona.

Maria Augusta ressalta a exibição de "O Processo" na França, filme que ela considera muito importante em sua carreira: "'O Processo' é importante para esse momento pós-Bolsonaro (sic) que a gente está vivendo hoje. O governo do Bolsonaro é de uma certa maneira consequência do processo de impeachment da presidente Dilma e da Lava Jato também. É essencial, fundamental, que a gente reveja essa memória, esse momento que vivemos em 2016".

Estreia mundial

"Não toque em meu companheiro" tem estreia mundial em Toulouse. Ao contrário dos outros documentários da cineasta que captam o presente, com o desenrolar de um processo, nesse filme Maria Augusta parte de reuniões atuais, mas para lembrar um momento histórico, ocorrido entre 90 e 92, na época do governo Collor. O filme lembra a longa luta de bancários da Caixa Econômica Federal que conseguiram ser reintegrados após um ano de demissão e a solidariedade da categoria.

A documentarista quis traçar um paralelo entre esse passado e o momento atual. "Os dois governos (Collor e Bolsonaro) são absolutamente neoliberais, defendem o Estado mínimo. O governo atual discrimina o servidor público como fazia Collor, que os chamava de 'Marajás'. Quis traçar um paralelo para saber como chegamos até aqui e mostrar o perigo que estamos correndo. Uma reflexão sobre o que queremos como futuro."

Além das apresentações dos filmes, Maria Augusta Ramos participa no sábado (31) de um debate sobre seu trabalho e sua visão sobre a sociedade brasileira. À RFI ela adianta que irá passar aos franceses, infelizmente, uma visão muito preocupante. "Nós vivemos um momento muito doloroso, não só pelas mortes, mas porque estamos sendo governados por um presidente absolutamente autoritário, que persegue as minorias, os artistas, os intelectuais. (...) Um governo completamente irresponsável não só em relação à Covid, mas em relação à destruição da Amazônia, do Pantanal. (...) É muito sério, é muito triste."

Apesar das dificuldades em encontrar recursos devido à falta de política cultural no Brasil, a cineasta desenvolve dois novos projetos: um filme sobre a infância e um documentário sobre o momento político atual que (inconscientemente?) ela só chama de "pós-Bolsonaro".

Clique aqui para conferir a programação da retrospectiva de documentários de Maria Augusta Ramos do Festival Cinélatino de Toulouse.