Topo

Reino Unido: Alta de orçamento militar gera críticas em meio à crise econômica

20/11/2020 07h48

O Reino Unido anunciou o maior orçamento militar desde a Guerra Fria. O plano apresentado ao parlamento britânico aumenta em 16,5 bilhões de libras, ou quase R$ 116 bilhões os gastos com defesa nos próximos quatro anos. Esse dinheiro será destinado a vários setores. Entre eles, a renovação de equipamentos, a criação de uma agência de inteligência artificial, políticas de segurança cibernética até a criação de um comando espacial capaz de lançar o primeiro foguete britânico até 2022.

Vivian Oswald, correspondente da RFI em Londres.

A pressão dos militares por mais recursos não é de hoje. A defesa sofreu cortes significativos nos últimos anos de austeridade fiscal promovida pelo partido Conservador, no poder desde 2010. O acréscimo, contudo, já era uma pauta do partido, que havia prometido aumentar as despesas militares em 0,5% ao ano.

Mas o motivo deste ajuste orçamentário agora não é necessariamente de uma percepção de maior risco, embora o primeiro-ministro, Boris Johnson, tenha dito aos parlamentares que "a situação internacional é mais perigosa e competitiva" do que no mundo bipolar da época do conflito não declarada entre Estados Unidos e União Soviética.

Há alguns fatores de grande importância que estariam por trás da decisão. Há sobretudo sinais que estão sendo emitidos por Johnson neste momento pandêmico de tantas incertezas. Em primeiro lugar, há o Brexit. Ao sair da União Europeia (UE), além de perder prestígio político, o Reino Unido deixa de participar do planejamento das missões militares da Europa. Muitas delas financiadas por eles próprios.

O país também fica fora do programa de navegação por satélites europeu, o Galileu, que é uma espécie de GPS da Europa, desenvolvido até com tecnologia britânica. Isso justificaria em boa medida a agência de inteligência artificial e novas políticas de segurança cibernética.

Em segundo lugar, há a eleição do republicano Joe Biden para a Casa Branca. Ele e Johnson falaram por telefone e o americano confirmou o desejo de manter a parceria na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Não era o que queria Donald Trump que tinha chamado a entidade de obsoleta e ameaçou suspender as contribuições dos Estados Unidos para a aliança.

Aliás, os americanos investem mais na OTAN do que todos os países europeus juntos. A perspectiva de Johnson é a de que o Reino Unido tenha um papel mais pró-ativo na OTAN daqui para frente. É uma forma de se mostrar um parceiro poderoso para os americanos e para os próprios europeus. Há duas potências militares na Europa, a França e o Reino Unido, dois membros do Conselho de Segurança da ONU.

Recursos devem criar empregos, diz Johnson

Para justificar gastos desta magnitude em plena pandemia, Johnson teve o cuidado de explicar que esses recursos vão criar 10 mil novos empregos por ano pelos próximos quatro anos, além de manter dezenas de milhares de outros. O Reino Unido gastou centenas de bilhões de libras para manter a economia funcionamento até agora. Tem pago 80% dos salários de quem não pode sair para trabalhar durante a pandemia. O desemprego bateu novo recorde, assim como as filas de pessoas nos bancos de alimentos.

O aumento da fatia do orçamento para a defesa era motivo de briga no gabinete de Johnson. Dominic Cummings, o marqueteiro e homem forte do primeiro-ministro, era contra colocar mais dinheiro na defesa. Defendia que isso não se traduzia em efeitos para a vida do cidadão. Mas ele deixou o governo na semana passada.

O próprio ministro da Economia, Rishi Sunak, já tinha se manifestado contra a iniciativa. Por uma razão muito simples: ele sabe que será preciso tirar de algum lugar para pagar os programas de incentivo à economia e ajuda ao cidadão. Ele queria, por exemplo, que esse aumento para a defesa fosse pelo menos negociado anualmente. Mas os militares diziam que suas atividades precisam de mais planejamento.

Maior orçamento militar do mundo em 2019

O Reino Unido teve o sexto maior orçamento militar do mundo em 2019. Foram US$ 54,8 bilhões. Perde para os Estados Unidos, que gastaram US$ 684,5 bilhões, China, com US$ 181,1 bilhões, Arábia Saudita, com US$ 78,4 bilhões e Índia, com US$ 60,5 bilhões.

Resta saber como a população vai receber a decisão deu Jonhson, sobretudo sabendo que o pior da Covid-19 ainda não passou. O Reino Unido é o país da Europa com o maior número absoluto de mortes. Bateu os 50 mil óbitos na semana passada. Boa parte do pais continua sob restrições pesadas, com a Inglaterra, que está em lockdown nacional até o próximo dia 2 de dezembro.