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Ministério Público de Paris pede indiciamento de policiais que espancaram produtor negro

29/11/2020 16h42

O Ministério Público de Paris pediu neste domingo (29) o indiciamento dos quatro policiais envolvidos no espancamento do produtor musical Michel Zecler na semana passada. O caso chocou a França em um momento em que a população sai às ruas para protestar contra um projeto de lei considerado liberticida. 

Após o pedido, as investigações da agressão contra Michel Zecler, de 41 anos, ficarão a cargo de um juiz de instrução. O Ministério Público também pediu a prisão de três dos quatro policiais envolvidos nas violências.

Detidos para interrogatório desde sexta-feira (27), eles se apresentaram neste domingo no Tribunal Judiciário da capital francesa. Eles foram indiciados por "violências voluntárias por parte de autoridade policial ou judiciária, com arma, em reunião e acompanhadas de declarações racistas", "falsificação de documento público", "violação de domicílio" e "degradação voluntária de bens privados".

A divulgação do vídeo do espancamento do produtor pelo site Loopsider gerou um escândalo na França na última semana. A gravação viralizou e foi vista por pelo menos 7 milhões de pessoas.

As imagens mostram Zecler sendo agredido durante cerca de seis minutos em um estúdio musical parisiense, por três policiais. Um quarto agente pode ser visto jogando, da rua, uma bomba de gás lacrimogêneo dentro do local. Os policiais alegaram que abordaram o produtor porque ele estava sem máscara de proteção.

Em um outro vídeo, publicado na sexta-feira (27), a vítima é vista apanhando na rua depois de ser retirada do estúdio. Nas imagens, Zecler está rodeado por outros policiais, que foram chamados para ajudar na operação, mas não fazem nada para impedir a agressão. O produtor afirma ter sido xingado várias vezes de "crioulo sujo." 

Policiais entraram "em pânico"

O procurador de Paris, Rémy Heitz, realizou uma coletiva de imprensa neste domingo e revelou as justificativas dos policiais sobre o episódio. "Se eles reconhecem a agressão, eles explicam que isso aconteceu devido à atitude de Zecler e as circunstâncias da abordagem", diz. 

Segundo Heitz, os policiais teriam encontrado dificuldade para imobilizar a vítima. "Eles explicam que o espancaram por terem entrado em pânico", reiterou.

Os policiais também contestam ter feito xingamentos racistas, como afirma Zecler. No entanto, "eles admitiram que a agressão não foi justificada e que eles agiram principalmente sob o efeito do medo", declarou Heitz. 

Desonra ao "uniforme da República"

O ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, disse na quinta-feira (26) que os policiais serão expulsos da corporação assim que os "fatos forem estabelecidos pela Justiça". Segundo ele, os quatro homens "desonraram o uniforme da República". 

O presidente francês, Emmanuel Macron, também reagiu na sexta-feira, qualificando as imagens da agressão ao produtor de "vergonhosas". O chefe de Estado pediu que o governo elabore propostas para "lutar de maneira eficaz contra as discriminações". Neste domingo, um comunicado emitido pelo Palácio do Eliseu indicou que a presidência contatou Zecler para ter notícias sobre seu estado de saúde. 

No Instagram, o produtor publicou no sábado uma foto em que aparece com o braço imobilizado e se pronunciou publicamente pela primeira vez desde que as imagens da agressão que sofreu vieram à tona.

"Sinto que meu caso seja talvez a gota d'água para muitos entre vocês. Peço que nenhuma violência nem nenhuma confusão seja feita em meu nome. Os fatos são graves. Minha resposta será fria, mas determinada. Os ferimentos mais profundos não são necessariamente aqueles que se veem. Eles vão demorar tempo para cicratrizar", escreveu.

O caso ocorre em um contexto de forte mobilização contra um projeto de lei proposto aprovado pela Assembleia francesa na semana passada que, entre várias medidas polêmicas, proíbe a filmagem de policiais. Neste sábado (28), mais de 130 mil pessoas se manifestaram em toda a França, segundo o Ministério do Interior. O texto deverá ser analisado pelo Senado francês em janeiro, antes de sua adoção.