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Para sociólogo, ex-bolsonarista Doria aparece como principal adversário de Bolsonaro em 2022

30/11/2020 15h56

"Por mais curioso que seja, o ex-bolsonarista João Doria, que lançou a chapa Bolso-Dória em 2018, hoje pinta como o principal adversário de Jair Bolsonaro em 2022. E com a aliança do centro para a direita, que pode inclusive trazer Sérgio Moro e Luciano Huck para fazer parte desta grande frente", analisa Marco Antonio Teixeira, sociólogo e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, em entrevista à RFI Brasil.

 

O resultado do segundo turno da eleição municipal em São Paulo, com vitória do PSDB de Bruno Covas, projeta dois políticos em cenário nacional: Guilherme Boulos, do PSOL, que se consolida como uma alternativa viável à esquerda, e o governador tucano João Doria, explica o professor-adjunto e pesquisador do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP.

Marco Antonio Carvalho Teixeira é doutor em Sociologia e um dos editores do blog "Gestão, Política & Sociedade" sobre a cidade de São Paulo. Nesta entrevista à RFI Brasil, ele analisa o resultado das eleições municipais em São Paulo, a maior cidade do país, e sua influência no cenário político nacional.

"Os resultados em São Paulo foram marcados pela regularidade. Quando nós abrimos o mapa das zonas eleitorais, repete-se exatamente, na esquerda e no candidato que disputou com a esquerda a votação das últimas eleições. Nesta eleição foi o Bruno Covas, do PSDB, em 2018 foi o Jair Bolsonaro e em 2016 foi o (João) Dória. O voto se distribuiu da mesma forma, em 2016, 2018 e 2020, na cidade de São Paulo", constata.

"Por exemplo, o candidato Boulos ganhou no extremo sul da cidade, que é uma área em que o PT teve um trabalho muito forte. De outro lado, Bruno Covas ganhou praticamente no restante da cidade, perdendo apenas no anel periférico da Zona Leste", exemplifica.

Para o pesquisador, o paulistano, ao que parece, cristalizou as suas preferências. "E não houve nada neste tempo - três eleições - que mudasse o seu voto", diz. "A própria gestão Bruno Covas acabou se apropriando deste processo de decisão de voto e a esquerda não avançou. Ela permaneceu onde está", ratifica.

Boulos vitorioso

Por outro lado, continua Carvalho Teixeira, "mesmo o Bruno Covas tendo sido o grande vencedor - e os méritos são praticamente para ele, uma vez que ele teve de abrir mão da presença do governador João Dória no palanque, na medida em que Dória tem uma popularidade muito baixa na cidade de São Paulo -, não dá para negar que o Guilherme Boulos, mesmo perdendo, é o vitorioso desta eleição", declara. 

"Esta é a primeira candidatura política dele na cidade, é a primeira candidatura do PSOL com alguma chance política e ele suplantou adversários de peso: o PT, o PSB e o candidato do bolsonarismo. Isso acena, sem dúvida alguma, para o cenário nacional, porque estamos falando de uma cidade que é o quinto orçamento do país e que tem 12 milhões de habitantes", diz. 

Mas se governar este município traz holofotes para o seu governante e o reposiciona dentro da luta política, então o vencedor em vista de um projeto para 2022 é o João Doria, analisa o professor, "mesmo com o PSDB sendo um perdedor em número de prefeituras". O partido perdeu em torno de 30% das prefeituras que ele governava. Um número muito parecido com o do PT este ano.

Aliados avançaram

Ao mesmo tempo, destaca, os aliados de ocasião do PSDB, que estiveram juntos com Bruno Covas, avançaram. "O DEM é o partido mais vitorioso no país, se fortalece nesta aliança com o PSDB e pode inclusive não apenas marchar com João Dória em 2022, mas também fazer um tipo de negociação com o PSDB para que assuma a liderança de chapa para o governo de São Paulo em 2022, na medida em que Rodrigo Garcia (DEM) hoje é o vice-governador do Estado", prevê. 

"João Doria consegue manter a principal cidade do país, junto com seu partido, se beneficia de seus aliados que avançaram politicamente, mas não têm um nome para lançar em 2022, e ao mesmo tempo também se beneficia com o enfraquecimento do bolsonarismo", diz o professor, lembrando que Doria é ele mesmo um ex-aliado de Bolsonaro.

"O PSDB sozinho não consegue mais... ele se enfraqueceu também. O PSDB hoje não tem mais força política em Minas Gerais, por exemplo. Sua principal liderança, o Aécio Neves, está enroladíssimo com inquéritos e condenações na Justiça, e o sucessor do Aécio, que é o Anastasia, saiu do PSDB. Então o partido se beneficia muito mais da eleição em São Paulo e do sucesso de dois de seus principais aliados: o DEM e o PSD", salienta. 

Por que Covas se reelegeu?

Segundo Carvalho Teixeira, duas questões levaram à reeleição do Bruno Covas: a postura dele na gestão da pandemia da Covid-19 e no enfrentamento de sua própria doença, um câncer na cárdia, a junção entre o esôfago e o estômago.

"Ele realmente liderou a luta contra a pandemia, enfrentou os grupos econômicos quando estes queriam reabrir o comércio em datas comemorativas como o Dia das Mães, brigou até com o governador Doria, quando este sinalizava com algum tipo de flexibilização, e Covas mantinha uma linha de maior endurecimento na cidade de São Paulo".

"Uma outra questão ligada a essa é a própria doença do Bruno Covas, como ele a enfrentou. Ele literalmente mudou sua casa para o gabinete na Prefeitura de São Paulo. Não tirou licença, mesmo passando por um tratamento duro, de radioterapia, já que é um câncer muito delicado, ele se manteve na atividade de prefeito e a todo momento estava liderando o enfrentamento da pandemia na cidade. Acho que isso passou uma imagem muito positiva que compensou a ausência de uma marca e de uma gestão que fosse mais vista na cidade", analisa.

"Se nós pegarmos os dados de avaliação do governo Bruno Covas antes da pandemia, ninguém imaginava que ele iria sequer para o segundo turno. Depois da pandemia é que ele começa a virar estes dados", relembra. 

A outra questão que teve um papel nesta reeleição, de acordo com o professor, é o antipetismo, que ainda é muito forte em São Paulo. "Boulos acabou encarnando consigo este antipetismo, justamente por ter uma origem muito próxima da do PT, é alguém que vem dos movimentos sem-teto e sempre foi acusado pelos seus adversários, incluindo Bruno Covas, de ser radical. E a pecha de radical numa cidade que tem um sentimento antipetista muito forte, acaba sendo algo negativo que um candidato dificilmente consegue enfrentar", conclui.

Boulos e a Covid

"Eu acredito que a Covid do Boulos nos últimos dias de campanha deve ter tido um efeito negativo, porque os adversários se aproveitaram disso. Alguns falaram que faltou responsabilidade, na medida em que sua aliada de campanha [a deputrada federal Sâmia Bomfim, do PSOL-SP) foi diagnosticada com Covid, ele devia ter se afastado até sair seu resultado. Os próprios jornalistas que estiveram com ele durante este período, assim que souberam, se afastaram de suas atividades até saírem os resultados e deram publicidade a isso", conta.

A imagem do Boulos passou a ser a imagem de alguém que não teve cautela na gestão da doença, avalia Carvalho Teixeira. "E esta doença teve um peso fundamental na decisão do voto no Brasil. Os prefeitos que foram reeleitos no Brasil foram aqueles que combateram a Covid, e os que caíram em desgraça nestas eleições foram aqueles que a negaram, negligenciaram, assumiram um discurso muito parecido  com o do presidente da República."

Para finalizar, ele acredita que a Covid de Boulos teve um efeito sobre o último debate - que não aconteceu devido à doença do candidato. "Ele era muito esperado e certamente muita gente estava atenta a este debate para tomar sua decisão ou influenciar a decisão de outros. Eu diria que Boulos teve um baita azar na chegada."