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Muçulmanos adotam "Declaração de princípios" para evitar politização do Islã na França

18/01/2021 17h39

Sob pressão do Executivo, o Conselho Francês para o Culto Muçulmano (CFCM) adotou um documento sem precedentes rejeitando o "Islã político" e a "interferência" estrangeira, mas cuja aplicação na França levanta muitas questões. A "Declaração de princípios" do Islã na França representa "um compromisso claro e preciso em favor da República", saudou o presidente francês Emmanuel Macron, segundo o Palácio do Eliseu, após se reunir com autoridades do CFCM nesta segunda-feira (18).

O documento foi apresentado quando os deputados abriram, nesta segunda-feira (18), os debates sobre o projeto de lei contra o separatismo religioso. Além de ser acusado de sofrer influência negativa de forças estrangeiras, o Islã na França é frequentemente criticado por incitar seus adeptos a viverem isolados do resto da sociedade, considerando as regras religiosas mais importantes que as leis da República e abrindo espaço para a radicalização da prática. Esse fenômeno é chamada de Islã político.

A declaração de princípios foi solicitada em meados de novembro de 2020 pelo presidente francês Emmanuel Macron aos líderes do CFCM. Desde seu discurso contra o separatismo e o Islã radical no início de outubro, e ainda mais desde o assassinato do professor Samuel Paty e o ataque de Nice, ambos cometidos por radicais islâmicos, o chefe de Estado aumentou a pressão sobre os principais órgãos do Islã na França a fim de avançar na direção de uma reforma.

Na escadaria do Palácio do Eliseu, Mohamed Moussaoui, presidente do CFCM, saudou "a unidade redescoberta" dentro da instituição, composta por nove federações islâmicas e ainda recentemente oprimido por dissensões internas. Ele elogiou "o passo histórico que o islã acaba de dar na França".

"Reafirmamos ao presidente nosso desejo de constituir o mais rápido possível o conselho dos imãs para poder iniciar o trabalho real, o de aprovar os imãs, esclarecer seu status, sua missão e nos proteger dos imãs auto-proclamados", disse Moussaoui.

Três federações, incluindo a Associação de Fé e Prática (dos ultra-rigorosos Tabligh), entretanto, não assinaram o texto, reconheceu Moussaoui, falando de "algumas pequenas nuances sobre as quais desejam consultar suas autoridades". Ibrahim Alci, do comitê islâmico, próximo da Turquia, que também é vice-presidente do CFCM, disse que havia solicitado mudanças. "Assim que for possível, vamos assinar", retorquiu.

A declaração, que deve lançar as bases para a criação de um Conselho Nacional de Imãs (CNI), e que será responsável por "rotular" os imãs praticantes na França, contém dez artigos. "Nenhuma convicção religiosa pode ser invocada para fugir às obrigações dos cidadãos franceses", indica o preâmbulo do texto.

Segundo Moussaoui, o texto "afirma claramente que os princípios da fé muçulmana são perfeitamente compatíveis com os princípios da República".

Declaração de intenção

O artigo sexto, provavelmente o mais sensível, é dedicado à "rejeição de todas as formas de ingerência e à instrumentalização do Islã para fins políticos" na França. "Os signatários devem rejeitar claramente qualquer interferência do exterior na gestão de suas mesquitas e na missão de seus imãs", detalha o documento.

"Esta carta é uma declaração de intenção muito louvável", reagiu o ensaísta Hakim El Karoui, autor de "O Islã, uma religião francesa" (Ed. Gallimard). Ele cita, no entanto, "o paradoxo" do CFCM, composto por "cinco federações financiadas por países estrangeiros" e "três federações islâmicas": "a carta foi adotada por pessoas que têm interesses em contradição com o texto", resume ele.

Hakim El Karoui também questiona o documento: "as federações são juízes e partidos, enquanto deveria haver um colégio independente responsável por verificar sua aplicação", disse o autor. "Essa ideia de carta ainda é muito vertical. Não há equivalente em outros países, nem mesmo para outras religiões na França", apontou Franck Frégosi, especialista na organização do Islã na França, diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS na sigla em francês). "É um texto para atender às necessidades das autoridades em caso de emergência ou um texto para servir aos principais líderes religiosos e imãs que não estiveram envolvidos na redação deste texto de qualquer maneira?", questiona o pesquisador.

Mas as críticas mais fortes vêm dos próprios imãs. "O CFCM não tem qualquer influência na realidade dos muçulmanos na França; ele deve permanecer no aspecto logístico e organizativo. A liturgia, a pastoral e a ética devem permanecer com os religiosos", explica o imã da mesquita de Bordeaux, Tareq Oubrou. "E agora vamos pedir aos imãs que cumpram esta doutrina que o CFCM deu origem sem consultá-los. São os estudiosos e teólogos muçulmanos que devem dar à luz um texto e depois submetê-lo ao CFCM, não o contrário", defende o imã.

(Com informações da AFP)