"Se o governo do Brasil não dá atenção às pessoas, como pode dar atenção aos artistas?", questiona diretor de centro cultural francês
José-Manuel Gonçalvès é diretor do "104", um dos centros culturais mais importantes da França. Ele dirige desde 2010 o espaço do 19° distrito de Paris, atualmente fechado devido à pandemia de Covid-19.
O "104" apoia mais de 1.000 artistas por ano, entre eles muitos grupos brasileiros. Além de teatros e salas de exposição, o centro cultural acolhe o público gratuitamente em um grande espaço aberto onde artistas de várias gerações se apresentam e ensaiam livremente.
Mas José-Manuel Gonçalvès está preocupado com as consequências do fechamento dos teatros e salas de espetáculos na França, imposto pelo governo para frear as contaminações. O setor cultural francês está paralisado desde 30 de outubro, sem data marcada para a reabertura.
Com a pandemia, ele corre o risco de ficar sem ao menos um quarto de seu orçamento anual de € 16 milhões. O centro cultural é em grande parte financiado pela prefeitura de Paris, mas os € 4 milhões garantidos pela bilheteria estão comprometidos. Gonçalvès, português radicado na França, foi um dos iniciadores de uma queixa coletiva em dezembro, pedindo a reabertura dos teatros. Enquanto isso não acontece, ele faz de tudo para continuar apoiando os artistas.
"O problema é não saber quando a gente vai poder continuar a desenvolver o trabalho que estamos fazendo aqui. Atualmente, podemos continuar com a residência de artistas, com a preparação... Tem a visibilidade e a questão econômica hoje, mas também o financiamento dos dois próximos anos. A situação é muito complexa. O que estamos fazendo é apresentar os trabalhos previstos na programação pelo menos uma vez. Em janeiro vamos conseguir!", conta o diretor.
Mas a solução não é nada ideal. Apenas um reduzidíssimo público de profissionais (jornalistas, programadores...) poderá assistir as peças. "É uma situação muito estranha. Fazer isso totalmente fechado entre nós é contraditório com a nossa política de estarmos sempre abertos".
Setor cultural na França e no Brasil
José-Manuel Gonçalvès, que veio para França aos cinco anos, nunca pediu a nacionalidade francesa. Ele "lembra que é português, e até mais brasileiro, de cultura francesa". Sua relação com o Brasil começou no início de sua carreira como agitador cultural, aos 20 anos, em Roanne, no centro da França, quando reaprendeu português com os músicos brasileiros que programava.
O diretor do "104" ressalta que a situação atual do setor cultural na França e no Brasil não é a mesma. Na França, há essa ruptura na relação entre o público e os artistas que prejudica "a própria definição do país" como terra de cultura, mas tem também ajudas econômicas.
"O problema do Brasil é que a gente tem a impressão que a população, que os artista não existem. O governo não dá atenção às pessoas, como pode dar atenção aos artistas?", questiona.
Artistas brasileiras apoiadas pelo "104"
O "104" apoia e é produtor há anos da diretora de teatro brasileira Christiane Jatahy, que é artista associada do centro cultural parisiense, assim como a bailarina e coreógrafa Lia Rodrigues. Devido à pandemia, as duas não puderam circular e apresentar suas criações.
"Como o Brasil não dá os meios para esses artistas, é uma situação dramática. Estamos vendo como podemos ajudar. Estou falando dessas duas artistas, mas tem outros. Vamos ajudar, mas nunca conseguiremos ajudar com tudo o que elas estão perdendo a cada dia. O financiamento é muito ligado à circulação que elas têm no mundo."
José-Manuel Gonçalvès informa que depois de ficar isolada no Brasil, Christiane Jatahy está voltando agora à França. Mas com os teatros fechados no país, "Entre Chien et Loup" (Entre cão e lobo), a nova peça da diretora carioca que deveria estrear no dia 27 de janeiro no Teatro Odéon de Paris, foi cancelada.
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