Topo

Célebre romancista ameríndia Louise Erdrich denuncia escalada do fundamentalismo religioso nos EUA em novo livro

22/01/2021 15h56

A edição desta semana da revista L'Obs traz uma grande entrevista com a celebrada escritora de origem ameríndia Louise Erdrich, por ocasião do lançamento de seu romance The Child of the Next Dawn na França. Com o título "O grito de alarme de Louise Erdrich", a entrevista percorre os temas da narrativa apocalíptica que emoldura o que a autora chama de "Nova América". No menu da trama, um mundo em colapso em Minnesota, onde a neve não cai mais e mulheres dão à luz a bebês-monstros, num país que se entrega a fundamentalistas ultrarreligiosos.

Escritores como Philip Roth e Toni Morrison já avisaram: Louise Erdrich é uma das maiores vozes da literatura norte-americana contemporânea. Vencedora do Prêmio Nacional do Livro em 2012 e do Prêmio Biblioteca do Congresso em 2015, ela publicou até agora quinze romances, além de livros infantis, poemas e contos.

Comparada à verve literária da canadense Margaret Atwood, autora do famoso The Hand's Maid Tale, ou O Conto da Aia, seus livros exploram o mesmo território imaginário ancorado na Dakota do Norte onde ela passou a infância, na reserva indígena de Turtle Mountain. Seu avô materno, Patrick Gourneau, era chefe tribal dos Ojibwe. A romancista, que nunca deixou de honrar a memória de seus ancestrais, agora mora no estado vizinho de Minnesota, em Minneapolis, onde dirige uma livraria independente, Birch Bark, especializada em literatura indígena.

Em sua edição semanal, a revista L'Obs investiga com a autora as sombras e nuances de seu novo romance, A Criança do novo Amanhecer, em tradução livre. Erdrich, que começou a escrever o livro há quase 20 anos, conta que encontrou cinco páginas do manuscrito em um computador velho, e que não tinha certeza se o material seria publicável. Questionada se seu texto seria premonitório, nos Estados Unidos pandêmico de 2021, a autora diz que tudo começou após a eleição de Trump em 2016. "Aquilo me motivou a escrever", conta, "o que quer que fosse aquilo, eu já tinha um sentimento que a regressão havia começado", explica a escritora à revista francesa.

"Profecia"

Segundo Louise Erdrich, o que ela não previu é que a história do romance, uma mulher grávida fugitiva que se protege dentro de uma van dos Correios dos Estados Unidos fosse tão atual em 2020 - "basta lembrar do papel decisivo que os Correios norte-americanos tiveram nas últimas eleições", diz a autora dessa "crônica intimista do Apocalipse", como a imprensa vem chamando seu novo livro.

No relato à revista L'Obs, Erdrich diz ter ficado muito impressionada quando os acontecimentos de 2020 ecoaram sua narrativa, "como uma profecia": "Fiquei atordoada. A pandemia foi um golpe duro para as populações indígenas que morreram duas vezes mais do que a porcentagem nacional. Questionada se, como sugere seu novo romance, um governo ultrarreligioso poderia tomar o poder nos Estados Unidos, Erdrich parece não ter dúvidas: "É complamente possível, quase provável", diz a escritora. "Somos hoje confrontados a uma corrente irracional obscura e poderosa, que ganha popularidade como uma infecção massiva", diz a escritora.