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#MeTooGay: rapaz acusa vereador francês de agressão sexual e lança debate na França

23/01/2021 17h37

Um vereador de Paris está sendo acusado, junto com seu namorado, de terem estuprado um rapaz de 18 anos. O caso foi revelado nas redes sociais pelo jovem que afirma ter sido agredido em um momento de vulnerabilidade. A denúncia sacode a cena política francesa e levanta o debate sobre as agressões sexuais envolvendo dois homens.

Desde a noite de quinta-feira (21) as redes sociais francesas viram emergir a hashtag #Metoogay. O fenônemo começou quando Guillaume postou no Twitter uma mensagem na qual afirma ter sido vítima de uma agressão sexual. "Após dois anos sem saber como exprimir o que aconteceu, tomei consciência que fui estuprado por Maxime Cochard, conselheiro de Paris (cargo equivalente ao de vereador) e seu namorado Victor Laby em outubro de 2018, quando eu tinha apenas 18 anos e estava particularmente vulnerável".

Em outra postagem, ele explica que decidiu falar apenas agora pois os dois supostos agressores, que são filiados ao Partido Comunista Francês (PCF), ganham cada vez mais importância na cena política e na Prefeitura de Paris. "E isso para mim é insuportável".  

"Eu considero que eles aproveitaram da minha juventude, da minha inocência, do fato que eu não tinha onde dormir por causa de problemas com minha família, e da posição que eles tinham no PCF, para ter relações sexuais não-consentidas comigo".

Na sequência, várias mensagens de solidariedade foram enviadas a Guillaume e o Partido Comunista afastou temporariamente Maxime Cochard. O vereador reagiu rapidamente por meio de um comunicado, denunciando o que considera uma "acusação totalmente falsa". "Diante da gravidade do que foi dito de caráter calunioso, pedi para meu advogado abrir imediatamente um processo por difamação", declarou.

Mas a polêmica já havia se inflamado nas redes sociais, com milhares de homessexuais que aproveitaram o caso para denunciar agressões sexuais cometidas nos últimos anos, em mensagens acompanhadas do hashtag #MeTooGay. A maior parte das postagens falam de abuso de poder da parte de membros da família, professores, amigos ou vizinhos, mas também de jovens que foram drogados em festas ou simplesmente forçados a fazer o que não queriam durante um encontro.

#MeTooGay surge na esteira do movimento #MeToo, de 2017, mas também alguns dias após a criação do hashtag #MeTooInceste, lançado após a jurista francesa Camille Kouchner ter denunciado em um livro os abusos sexuais que seu irmão gêmeo sofreu, dentro de casa, durante a infância. Camille é filha do ex-ministro e criador da ONG Médicos Sem Fronteiras, Bernard Kouchner e o autor das agressões era seu padrasto, o célebre cientista político Olivier Duhamel, o que tornou o caso popular e levantou a questão do incesto nas famílias francesas.

O assunto se convidou à esfera política, inclusive com projetos de lei para impor sanções mais severas no caso de agressão sexual de menores. Em um vídeo publicado neste sábado (23), o presidente francês Emmanuel Macron disse que é necessário "punir os criminosos por seus crimes do passado".

Consentimento entre homens

Para a associação SOS Homofobia, "o movimento #MeTooGay marca uma verdadeira liberação da palavra das vítimas de violências sexuais". Pois o movimento levanta a questão tabu do consentimento sexual entre dois homens, muitas vezes adultos, o que torna o debate mais complexo.

Segundo o sociólogo Sébastien Chauvin, autor do livro Sociologie de l'homosexualité, "trata-se de uma comunidade que se construiu a partir da questão do direito a uma sexualidade, sua valorização, e do fato que ela também poderia ser uma forma de resistência. E isso pode ter criado uma forma de culpabilidade em algumas vítimas". Para ele, o preconceito contra os gays também faz com que muitos prefiram não denunciar os casos de agressão, temendo não serem levado a sério pela polícia.

Mesmo se em 2017 algumas denúncias de homens agredindo ou assediando outros homens surgiram, como o escândalo envolvendo o ator Kevin Spacey, "quando tivemos o movimento #MeToo, o debate foi apresentado como uma questão heterossexual", explica Chauvin. "Implicitamente, a situação é vista a partir de uma assimetria de gênero, falando sempre dos homens que tinham que pedir o consentimento das mulheres. E isso nos impediu de problematizar essa mesma questão entre homens. No entanto, há algo em comum entre #MeTooGay e #MeToo: ambos falam de uma violência ligada ao patriarcado", afirma.