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ONGs lançam processo contra Estado francês, acusando policiais de racismo

27/01/2021 18h44

Pela primeira vez na França, um grupo de ONGs lançou, nesta quarta-feira (27), uma ação coletiva na justiça contra o Estado. Seis organizações acusam a polícia de racismo nas revistas aleatórias realizadas nas ruas do país. A iniciativa vem na esteira das denúncias recentes de violência excessiva e abuso de poder das forças de ordem francesas.

As seis ONGs, entre elas Anistia Internacional e Human Rights Watch, pedem que a polícia cesse o que classificam de "controles de identidade discriminatórios". As forças de ordem são acusadas de usarem os controles de rotina para verificar os documentos principalmente de jovens negros ou de origem árabe.

"Decidimos partir de estudos e testemunhos e lançar um processo visando diretamente o primeiro-ministro, Jean Castex, o ministro do Interior, Gérald Darmanin, e o ministro da Justiça, Eric Dupond-Moretti", explica o advogado Slim Ben Achour, que participa da ação e é conhecido por defender minorias raciais diante da Justiça francesa. Segundo ele, há dois anos essa ação vem sendo preparada.

Em entrevista à RFI, o advogado argumenta que, apesar de declarações recentes do presidente da República, Emmanuel Macron, reconhecendo que os jovens negros são muito mais parados pela polícia do que os brancos, concretamente pouco vem sendo feito para mudar essa situação. "As palavras e as promessas não são mais suficientes", diz Slim Ben Achour, que já conseguiu ganhar na Justiça causas de dois cidadãos vítimas de racismo.

Os ministros e o premiê têm quatro meses para responder às acusações. Além disso, as ONGs pedem algumas medidas concretas, como a criação de um mecanismo independente de queixa para controles de identidade considerados racistas, e um sistema de protocolo que prove que um cidadão foi parado pela polícia uma vez, evitando assim as inúmeras verificações em um mesmo dia.

Um estudo realizado pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica junto com a Society Justice Initiative em 2009 apontou que uma pessoa identificada como "negra" ou "árabe" têm que mostrar seus documentos, respectivamente, seis e oito vezes mais que um indivíduo "branco". Mais recentemente, em 2017, outro estudo concluiu que o risco de ser parado na rua em uma blitz pela polícia na França é 20 vezes mais elevado no caso de um rapaz negro.

Violência policial não é recente na França

"Não se trata de acusar os policiais de serem racistas, e sim o sistema de criar práticas discriminatórias", pondera Antoine Lyon-Caen, outro advogado envolvido na ação. Segundo ele, as autoridades não conseguem discutir a questão abertamente em razão da pressão dos sindicatos de policiais, que negam qualquer tipo de motivação racista e bloqueiam o debate. "Mas se o governo for obrigado, as coisas podem mudar", afirma, em alusão à ação coletiva.

A questão das tensões raciais envolvendo a ação da polícia não é recente na França. Mas o tema voltou à tona em novembro, quando Michel Zecler, um produtor musical negro, foi espancado pela polícia diante das câmeras de segurança de seu estúdio. As imagens chocaram o país, principalmente após um ano marcado por denúncias de violência policial pelo mundo afora, dos Estados Unidos ao Brasil.

Mas a ação das ONGs também coincide com um debate nacional sobre a ação da polícia na França, lançado pelo governo. As discussões começam oficialmente na próxima semana.