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Em processo pioneiro, Alemanha condena oficial por cumplicidade em crimes contra humanidade na Síria

24/02/2021 11h47

Um tribunal alemão condenou nesta quarta-feira (24) um ex-agente do serviço de inteligência sírio por cumplicidade em crimes contra a humanidade, no primeiro processo judicial em todo o mundo sobre tortura patrocinada pelo Estado no governo do presidente sírio Bashar al-Assad. Eyad al-Gharib, 44, foi considerado culpado por seu papel em ajudar a prender manifestantes e entregá-los a um centro de detenção em Damasco no outono de 2011.

"O acusado foi condenado a quatro anos e seis meses por ajudar e incitar um crime contra a humanidade na forma de tortura e privação de liberdade", disse a juíza Anne Kerber. O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, celebrou o "veredito histórico" no julgamento de tortura na Síria

Gharib escondeu o rosto das câmeras com uma pasta enquanto a sentença era lida. Quase dez anos desde que a Primavera Árabe chegou à Síria em 15 de março de 2011, o julgamento é o primeiro no mundo relacionado à repressão brutal de manifestantes pelo regime de Damasco.

Gharib, um ex-membro de baixo escalão do serviço de inteligência, é acusado de ajudar a prender pelo menos 30 manifestantes e entregá-los ao centro de detenção Al-Khatib em Damasco, após uma manifestação em Duma.

Ele é o primeiro de dois réus em julgamento desde 23 de abril a ser condenado pelo tribunal de Koblenz, depois que os juízes decidiram dividir o processo em dois.

O segundo réu, Anwar Raslan, 58, é acusado diretamente de crimes contra a humanidade, incluindo a supervisão do assassinato de 58 pessoas e a tortura de outras 4.000. O julgamento de Raslan deve durar pelo menos até o final de outubro.

Os dois homens estão sendo julgados com base no princípio da jurisdição universal, que permite a um país estrangeiro julgar crimes contra a humanidade, incluindo crimes de guerra e genocídio, independentemente de onde foram cometidos.

Lágrimas nos olhos

Outros processos semelhantes também surgiram na Alemanha, França e Suécia, à medida que os sírios que buscaram refúgio na Europa recorreram aos únicos meios legais disponíveis atualmente devido à paralisia do sistema de justiça internacional.

Os promotores em Koblenz vinham buscando há cinco anos e meio por Gharib, que desertou em 2012 antes de finalmente fugir da Síria em fevereiro de 2013.

Depois de passar um tempo na Turquia e, em seguida, na Grécia, Gharib chegou à Alemanha em 25 de abril de 2018. Ele nunca negou seu passado e, na verdade, foram as histórias contadas às autoridades alemãs encarregadas de seu pedido de asilo que o levaram à prisão em fevereiro de 2019.

Os promotores o acusaram de ser uma engrenagem na máquina de um sistema onde a tortura era praticada em "escala quase industrial".

Durante o julgamento, Gharib escreveu uma carta lida por seus advogados na qual expressava sua tristeza pelas vítimas. E foi com lágrimas escorrendo pelo rosto que ouviu seus advogados pedirem sua absolvição, argumentando que ele e sua família poderiam ter sido mortos se ele não tivesse cumprido as ordens do regime.

Abusos terríveis

Mas Patrick Kroker, advogado que representa as vítimas, argumentou que Gharib poderia ter sido mais aberto durante o julgamento, em vez de ficar em silêncio durante as audiências. Pessoas como ele "podem ser muito importantes para nos informar sobre os (oficiais sírios) que realmente buscamos, mas é algo que ele optou por não fazer", disse Kroker.

Durante o julgamento, mais de uma dúzia de homens e mulheres sírios testemunharam sobre os abusos terríveis que sofreram no centro de detenção de Al-Khatib, também denominado "Filial 251". Algumas testemunhas foram ouvidas anonimamente, com o rosto escondido ou usando perucas por medo de represálias contra seus parentes ainda na Síria.

O julgamento também marcou a primeira vez que fotos dos chamados "arquivos de César" foram apresentadas em um tribunal. As 50 mil imagens tiradas pelo desertor da polícia militar síria "César" mostram os corpos de 6.786 sírios que morreram de fome ou foram torturados dentro dos centros de detenção do regime de Assad.

Eles foram examinados durante o julgamento pelo cientista forense Markus Rothschild, cuja análise constituiu evidência material.

(Com informações da AFP)