Covid-19: Argentina decreta toque de recolher, medida que o país associa à ditadura militar
"A Argentina entrou na segunda onda", definiu o presidente Alberto Fernández, contagiado, mesmo vacinado, ao anunciar que, pelas próximas três semanas, ficam proibidos os bares e os restaurantes abertos depois da 23 horas, a circulação de pessoas entre a meia-noite e as 6 horas da manhã e as reuniões familiares.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
O governo argentino anunciou novas medidas para conter o avanço da segunda onda que, há uma semana, bate novos recordes diários de contágio. Nas últimas 24 horas, foram mais 22.039 novos casos, o triplo de uma semana atrás.
As duas medidas mais polêmicas são a proibição de reuniões familiares entre parentes que não convivam e um toque de recolher encoberto, entre a meia-noite e as seis da manhã, num país que associa a proibição de circular aos sombrios tempos da ditadura.
Entre 1976 e 1983, o regime militar argentino provocou a maior quantidade de vítimas na região, estimadas em 30 mil mortos pelas organizações de direitos humanos. O assunto é ainda um trauma na sociedade.
Trauma e realidade epidemiológica
Em apenas um ano, a pandemia já deixou na Argentina quase o dobro de vítimas: 56.832.
"Fica proibida a circulação entre a 00:00 e as 06:00 da manhã de cada dia. Em cada jurisdição, as autoridades locais poderão ampliar esses horários em função da realidade epidemiológica de cada lugar", anunciou Alberto Fernández, dos jardins da residência presidencial.
O presidente evitou o termo "toque de recolher", ciente do trauma que a medida traz na sociedade. O último presidente que anunciou um estado de sítio com toque de recolher, Fernando De La Rúa (1999-2001), sofreu violentas manifestações populares que o levaram à renúncia dos dias depois daquele 19 de dezembro de 2001.
Medidas atingem 60% da população
Além do toque de recolher, Alberto Fernández limitou o funcionamento de bares e restaurantes até as 23 horas, num país com tradição noturna. Também proibiu as atividades sociais em domicílios particulares e limitou as reuniões em espaços públicos ao ar livre a, no máximo, 20 pessoas. O transporte público volta a ser de uso exclusivo de pessoas com atividades consideradas essenciais.
"A Argentina entrou na segunda onda. Só nos últimos sete dias, os casos aumentaram 36% em todo o país e 53% na área metropolitana de Buenos Aires", justificou Alberto Fernández.
As medidas serão aplicadas nas áreas de maior risco epidemiológico entre esta sexta-feira (9) e o dia 30 de abril, pelo menos. A medida inclui as principais cidades do país, inclusive a região metropolitana de Buenos Aires, abrangendo 26 milhões de pessoas, 60% da população argentina.
Medidas poderão ser mais rígidas
Alberto Fernández, contagiado por coronavírus, mesmo vacinado com a russa Sputnik-V, gravou o anúncio sem contato com cinegrafistas nem operadores de áudio, vídeo e iluminação.
O presidente andou os 200 metros da casa de hóspedes da residência oficial, onde está isolado, até a câmera de TV ao ar livre, previamente posicionada e controlada de forma remota.
Fernández fez uma advertência à população: as medidas poderão ficar mais restritivas se não houver colaboração.
"As próximas três semanas são muito importantes. O que acontecer nesta segunda onda vai depender das medidas que implementarmos, de um controle rigoroso e, fundamentalmente, do compromisso de cada um para reduzir o contágio. Quanto maior for a transmissão e a ocupação do sistema de saúde, mais medidas restritivas deveremos tomar", avisou.
Presidente vacinado num país sem vacinas
A Argentina iniciou a sua campanha de vacinação em 29 de dezembro, mas até agora só vacinou 8,5% da população, sendo a imensa maioria com apenas uma dose.
A campanha de vacinação é considerada lenta. O próprio presidente reconheceu que nem todo o pessoal da Saúde foi vacinado: "Já vacinamos, com pelo menos uma dose, mais de 90% do pessoal da saúde".
No entanto, Alberto Fernández agradeceu por já ter sido vacinado com as duas doses; o que o permitiu salvar-se do pior.
"Quando soube que tinha o vírus, passaram pela minha cabeça os mesmos medos que tiveram aqueles que padeceram o contágio. No entanto, a vacina me permitiu atravessar o tratamento sem sintomas dolorosos e com a tranquilidade de saber que o meu organismo tinha gerado anticorpos suficientes", descreveu o presidente, agradecendo ao instituto russo Gamaleya, criador da Sputnik-V, por "ter-se ocupado de atender a evolução da sua doença".
Dos 45 milhões de habitantes do país, apenas foram vacinadas com a primeira dose 3,870 milhões (8,5%) e com a segunda, 701 mil (1,6%).
Devido à escassez de imunizantes, o país decidiu dar prioridade a vacinar a maior quantidade possível de pessoas apenas com a primeira dose das vacinas e de diferir a três meses a segunda dose, embora os fabricantes recomendem três semanas.
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