Topo

Equador quebra recente onda de esquerda na América Latina: Guillermo Lasso é o primeiro presidente liberal em 25 anos

12/04/2021 10h00

Guillermo Lasso é o novo presidente do Equador. Obteve 52,5% dos votos válidos, enquanto o seu rival, o esquerdista Andrés Arauz, ficou com 47,5%. Lasso é o primeiro presidente de direita dos últimos 14 anos e o primeiro liberal dos últimos 25 anos. No Peru, a contagem dos votos neste primeiro turno ainda não terminou.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

A vitória de Guillermo Lasso (65) pode representar uma virada na matriz produtiva do Equador, que tira do Estado e transfere aos privados a função de impulsionar a economia. Esse giro visa tornar o investimento privado, nacional e estrangeiro em motor do crescimento econômico.

"O desafio que Lasso propõe é o de criar as bases para um modelo econômico que atraia os investimentos privados, retirando do gasto público a função de mover a economia", afirma à RFI o cientista político equatoriano, Simón Pachano, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO).

Guillermo Lasso é o primeiro presidente liberal dos últimos 25 anos, desde Sixto Durán (1992-1996).

Essa nova página na história do Equador acontece na sua terceira tentativa de chegar à presidência (2013, 2017 e 2021). Uma surpreendente reviravolta nas últimas três semanas o levou à vitória depois de ficar 13 pontos abaixo do adversário Andrés Arauz no primeiro turno, em 7 de fevereiro.

Liberal no campo econômico e conservador no campo social, Lasso cedeu durante o segundo turno, acolhendo demandas de minorias. No seu discurso de vitória, repetiu "o compromisso de trabalhar pelos direitos da comunidade LGBT" e prometeu "igualdade de direitos para as mulheres no campo de trabalho".

"Mesmo contra o seu pensamento, Lasso foi ao centro, ao encontro de demandas por direitos civis como o reconhecimento do matrimônio igualitário, os direitos das mulheres e temas de identidade indígena", explica à RFI o analista político equatoriano, Fernando Carrión, também da FLACSO.

O novo presidente tem pela frente o desafio de administrar os efeitos da pandemia, tanto na área sanitária quanto no campo social. E o mais urgente é o de fazer funcionar uma campanha de vacinação que não avança. Lasso promete vacinar 9 milhões dos 17 milhões de equatorianos nos primeiros 100 dias de governo que começa em 24 de maio.

Desafios de reformas e de governabilidade

A economia do Equador encolheu 7,5% no ano passado e o país vem de crises sucessivas nos últimos anos. Os dois pilares iniciais serão os incentivos à produção agrícola e a redução de impostos.

No campo político, a tarefa será construir uma maioria num Legislativo dividido como poucas vezes. Entre as quatro principais forças, o seu partido, Criando Oportunidades, é o que menos legisladores tem (12 de 137).

"Não será nada fácil estabelecer acordos para conseguir maiorias no Legislativo. Isso será um problema sério para o novo governo. Porém, o movimento indígena tem uma tendência à negociação", avalia Simón Pachano.

Esses acordos serão fundamentais para a governabilidade e para a aprovação de reformas. Outra função será acabar com a polarização na sociedade equatoriana, a exemplo do que acontece nos países da região. Lasso precisará de um grande pacto de reconciliação nacional.

"Será importante que ele entenda que uma abertura liberal na economia exigirá ser liberal em valores e ter muita consciência social. As reformas econômicas de abertura não poderão ser sob o modelo neoliberal clássico. Para obter acordos, ele deverá ter um plano muito claro de políticas sociais em Educação e em Saúde, além de combate à pobreza e à desigualdade", aponta Pachano .

Onda recente de esquerda interrompida

A esquerda regional estava entusiasmada com as vitórias no México (2018), na Argentina (2019) e na Bolívia (2020). O Equador seria a conquista seguinte, mas a onda de esquerda foi interrompida.

"A onda de esquerda quebrou aqui no Equador", sentencia Pachano.

"O Equador rompe com esse ciclo de esquerda e pode ser um ponto de inflexão para a direita renovar as suas propostas e perceber o que está fazendo de errado. E o erro tem sido não olhar para os mais necessitados. Não está combatendo a pobreza e esse é um terreno fértil para a esquerda populista", explica à RFI a analista internacional, Ruth Hidalgo, da equatoriana Universidade das Américas.

Os ex-presidentes de esquerda da região, reunidos no denominado Grupo de Puebla, como Lula da Silva, Dilma Rousseff, Evo Morales, o próprio Rafael Correa e o presidente argentino Alberto Fernández, apostavam na vitória de Andrés Arauz. Saem derrotados.

A direita comemora. Enviaram mensagens de parabéns a Lasso os presidentes de Venezuela, Juan Guaidó, Uruguai, Luis Lacalle Pou, Chile, Sebastian Piñera, Colômbia, Iván Duque, e o ex-presidente argentino, Mauricio Macri.

Rafael Correa, mora na Bélgica, fugitivo da Justiça equatoriana, depois de ser condenado a oito anos de prisão por corrupção. A vitória de Arauz era a sua chance de voltar ao Equador. Agora, a sua corrente política corre risco de acabar.

"Este é um golpe muito forte para Rafael Correa. Ele não poderá voltar ao Equador pelos próximos quatro anos. A Justiça não vai mudar e não vai rever os processos contra ele. A liderança de Correa tende a acabar, mas o fim do fenômeno que propicia o surgimento desse tipo de líderes, vai depender do sucesso do governo Lasso", prevê Simón Pachano.

Peru elege entre opções fundamentalistas

A esquerda do sindicalista Pedro Castillo parece ter vaga garantida no segundo turno. A dúvida está na segunda vaga, disputada por três candidatos de direita. Um deles é considerado o "Bolsonaro peruano".

No Peru, a disputa é voto a voto. A votação de domingo foi atomizada com quatro candidatos na briga para passar ao segundo turno. Um de esquerda, três de direita. A diferença entre o primeiro e o quarto colocado é inferior a quatro pontos.

Na liderança, o sindicalista Pedro Castillo, com cerca de 16%, é considerado um radical de esquerda. Promete um Estado socialista, a estatização dos setores estratégicos da economia, a regulação da imprensa, a dissolução do Tribunal Constitucional e uma Assembleia Constituinte para uma nova Constituição.

Os outros três candidatos são de direita: o liberal Hernando de Soto (ex-assessor do fujimorismo), Rafael López Aliaga, considerado o Bolsonaro peruano, e Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, preso por crimes contra a humanidade.

A própria Keiko ficou preventivamente presa durante 16 meses por envolvimento com o esquema de corrupção da Odebrecht no Peru.

O milionário López Aliaga, quem se define como o "Bolsonaro peruano", promove manifestações contra o confinamento, aponta contra a classe política tradicional, insulta os adversários e abusa das Fake News.

No Peru, a disputa será entre fundamentalistas de esquerda e de direita. O jogo está aberto e só será definido no dia 6 de junho.

"Os candidatos não tiveram incentivos para se moderarem. Até agora, falaram com os seus eleitores, com os seus fundamentalistas. No segundo turno, vão precisar falar com o resto do país, com aqueles que não são seu público. Será um desafio sair da polarização que construíram", indica à RFI o cientista político peruano, Carlos Meléndez, da Universidade Diego Portales do Chile.