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Festival em Paris revisita vitalidade da obra documental de Pasolini

16/04/2021 12h01

A obra cinematográfica de Pier Paolo Pasolini surpreende por sua vitalidade e parece conversar de maneira profunda com o público contemporâneo. Poeta, ensaísta, romancista e cineasta, ele agora é homenageado pela Cinemateca do documentário do Centro Pompidou em Paris durante o festival Pasolini, Pasolinennes, Pasoliniens. Sua obra documental se traduz pelos appunti, método desenvolvido pelo multiartista italiano. Diretor forjado sob a égide do fascismo, sua obra documental é política, um panfleto crítico de sua geração, com ecos inesperados no século 21.

A obra cinematográfica de Pier Paolo Pasolini surpreende por sua vitalidade e parece conversar de maneira profunda com o público contemporâneo. Poeta, ensaísta, romancista e cineasta, ele agora é homenageado pela Cinemateca do documentário do Centro Pompidou em Paris durante o festival Pasolini, Pasolinennes, Pasoliniens. Sua obra documental se traduz pelos appunti, método desenvolvido pelo multiartista italiano. Diretor forjado sob a égide do fascismo, sua obra documental é política, um panfleto crítico de sua geração, com ecos inesperados no século 21.

"Disseram-me que tenho três ídolos: Cristo, Marx e Freud. Estas são apenas fórmulas. Na verdade, meu único ídolo é a realidade." A frase, atribuída a Pasolini durante as filmagens do premiado "O Evangelho Segundo São Mateus", reverbera o estado de espírito deste inconoclasta inconformista, que sempre detestou rótulos e etiquetas e era um "deslocado entre deslocados". 

Grande figura artística e intelectual da Itália do pós-guerra, Pasolini perdeu a vida em um assassinato ainda envolto em mistério na praia de Ostia, nos arredores de Roma. A obra documental do italiano é homenageada no festival Pasolini, Pasoliniennes, Pasoliniens [em português, Pasolini, Pasolinianas, Pasolinianos]em Paris, antecipando as comemorações de seu centenário, que será celebrado em 5 de março de 2022.

Segundo o curador do festival, Arnaud Hee, em sua obra documental o artista italiano reverbera toda a sua polifonia criativa, onde podem habitar "todas as suas dimensões, poeta ou polemista, cineasta ou escritor". "Os appunti [apontamentos] podem ser traduzidos por 'notas' ou 'cadernos de notas'. É um método inventado por Pasolini. Uma forma inacabada de escritura documental, ou notas sobre filmes que não serão realizados, como na Palestina, ou não-completamente finalizados, como a Orestéia Africana. Os appunti são a verdadeira escritura documental pasoliniana, que têm um paralelo com sua dimensão literária, porque seu grande romance inacabado, 'Petróleo', retoma o princípio da escritura por appunti", destaca.

Embora a obra de Pasolini seja reconhecida em todo o mundo, boa parte de seu público não conhece sua produção documental. "Os documentários de Pasolini também são menos conhecidos na França, é um fenômeno global. Frequentemente, quando se trata de obras híbridas como a dele, misturando ficção e documentário, notamos que os documentários ficam mais escondidos, mais desconhecidos", admite o programador do Centro Pompidou.

O curador destaca a ruptura que Pasolini opera na linguagem dos documentários. "O documentário é uma escritura que tem menos margem econômica e a forma documental de Pasolini é algo muito espontâneo, de voluntariamente inacabado, algo que se assemelha a uma pesquisa filmada. Mas a obra de Pasolini não era nada marginal, ele estava no centro dos holofotes, era uma presença muito mediática e reconhecida", diz Hee.

Mas não seria toda a obra de Pier Paolo Pasolini documental? O artista italiano passou a vida retratando lugares, personagens e sua linguagem, a partir de um aprofundamento vertical da realidade. Ao mesmo tempo, seus filmes traduzem o mundo moderno em ressonância com fábulas e mitos, para refletir sobre a sociedade. Mesmo se seu percurso fílmico se desloca para o exterior, tem-se a impressão de que este deslocamento serve a manter sua reflexão política sobre a Itália contemporânea.

"As formas documentais permitem a Pasolini um duplo movimento, que é o de toda a sua obra, ficções e documentários combinados: abraçar a realidade virando-a para conduzi-la ao imaginário, à mitologia, às tensões entre o arcaísmo e a modernidade", afirma Arnaud Hee.

O mergulho radical de Pasolini na linguagem documental e sua busca pelos lugares periféricos reflete seu olhar crítico sobre o mundo, como conta o curador do festival da Cinemateca do documentário de Paris. "Pasolini pesquisava alternativas. Ele considerava que a sociedade capitalista de consumo estava homogeneizando tudo, tornando tudo asséptico. Toda a sua pesquisa se concentrava em lugares considerados periféricos, onde se manifestava ainda uma forma de arcaísmo, como uma alternativa. Alguma coisa que resistisse, que opusesse resistência a essa homogeneização", lembra o programador.

Depois de filmar a arquitetura iemenita, encenar a Orestéia de Ésquilo na África e gravar sua pesquisa de locações na Palestina, Pasolini se preparava para documentar a América Latina, antes de ser tragicamente assassinado em 2 de novembro de 1975. "Era seu projeto, na verdade, ele queria fazer uma espécie de Caderno de Notas para o Terceiro Mundo. Ele queria cobrir tudo, a América Latina e a América do Norte, numa espécie de cartografia mundial, ele queria completar essa cartografia", conclui o curador do festival.

O festival Pasolini, Pasolinennes, Pasoliniens fica em cartaz até 21 de junho.