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Para brasileira vencedora do Emmy, pandemia impulsionou tecnologias de realidade virtual

17/04/2021 11h12

A pandemia chacoalhou o cotidiano das pessoas e levou muita gente a repensar o futuro. De repente, tecnologias que se mostravam promissoras não fizeram mais sentido durante os lockdowns e outras tiveram que ser produzidas em massa para suprir a demanda que aumentou durante o isolamento.

Cleide Klock, correspondente da RFI em Los Angeles

O "South by Southwest" (SXSW), conjunto de festivais das indústrias interativa, cinematográfica e musical, que acontece desde 1987, em Austin, no Texas, teve sua primeira edição virtual em março, com eventos que se estendem até 18 de abril. 

Pela primeira vez, pessoas do mundo inteiro puderam se dirigir virtualmente às salas de Austin, inclusive com preços bem mais acessíveis. Se antes os ingressos custavam até mais de US$ 1.700 além do deslocamento e estadia, neste ano, por menos de US$ 200 e do conforto das casas foi possível ter acesso a dezenas de conferências, workshops, lançamentos de filmes, exposições, shows e até festas.

Do seu home office em Los Angeles, a produtora Fernanda Martins, que recebeu o Emmy em 2020 pela experiência "A Linha", acompanhou o evento e destacou as mudanças que a pandemia trouxe para o setor de realidade virtual (RV)

Com a pandemia, os dispositivos como o Oculus (da empresa Facebook), usados para as pessoas terem experiências em realidade virtual, tiveram uma aceleração nas vendas em mercados como os dos Estados Unidos e da China, por exemplo.

 "Dois meses antes do Natal, nos Estados Unidos, já não tinha mais Oculus para vender porque foi a moda da pandemia. Todo mundo começou a se conectar por realidade virtual e o que eles falaram muito neste ano foi sobre como produzir e fazer captação volumétrica. Um tema muito discutido foram os metaversos, que são essas realidades alternativas que as pessoas se encontram. O Minecraft, por exemplo, é um metaverso", diz Fernanda.

Segundo Fernanda, a tendência é que os óculos de RV fiquem cada vez mais acessíveis, mas no Brasil, pode demorar ainda alguns anos para que os preços diminuam. A produtora aposta que um dia, essa tecnologia de realidade virtual vai substituir os smartphones. Mas, para isso, ainda terão que mudar muito de formato.

Mudança no foco

As empresas que criam produtos em realidade virtual, depois do início da pandemia, tiveram que deixar de lado o desenvolvimento de salas interativas coletivas e experiências usadas em paralelo com a divulgação de grandes filmes de Hollywood, para investir no consumidor final dentro de casa. 

Ainda é uma incógnita como será o retorno dos espaços compartilhados, das salas que já existem em grandes centros - uma espécie de cinema onde as pessoas entram com dispositivos de RV, para terem vivências virtuais e participarem de diferentes tipos de histórias. A incógnita ainda é de quando as pessoas estarão dispostas a ficar em salas fechadas e compartilhando os óculos.

Fernanda diz que durante o evento foi relatado que a China já registra esse retorno de público com sucesso, principalmente pelo fato de os aluguéis destas salas terem baixado de preço e, assim, os ingressos podem ser vendidos mais baratos. 

O próprio SXSW propôs várias novas experiências. Um dos grandes destaques do evento de 2021, para a produtora brasileira, foi o ambiente virtual que simulou as ruas de Austin, através do aplicativo VRChat.

Utilizando os óculos, ela pôde participar de eventos, festas, shows e andar pela cidade. Mas também foi possível passear pelo corpo humano."Tinha uma [experiência] em que você entrava no corpo no lugar do coronavírus e se dividia dentro das pessoas. É incrível, você vê e tem a ideia das proporções, do tamanho que aquilo é dentro do corpo, por onde passa e a rapidez com que se multiplica.

"Você consegue visualizar tudo isso, é muito poderoso", relata. Fernanda conta que os maiores usos da realidade virtual, até então, ocorriam na medicina, para treinar médicos, e no setor militar. Mas, com a pandemia, os conteúdos se desenvolveram rapidamente para o entretenimento dentro de casa, já que as pessoas começaram a usá-los para se conhecerem e se conectarem.

Um dos desafios é, inclusive, fazer com que as conferências on-line sejam mais interativas com a ajuda da realidade virtual, o que evitaria, por exemplo, o desvio do olhar hoje presente nas reuniões via aplicativos como Zoom, Meet, Skype, entre outros, nos quais, segundo pesquisas, as pessoas acabam olhando para si próprio no computador, e não para a câmera ou para as outras pessoas. Com a realidade virtual, além do olho no olho, seria possível até o aperto de mão

Máquina da Empatia

Fernanda lembra que a realidade virtual é conhecida como "a máquina da empatia" e pode trazer mudanças ao mundo real. O SXSW trouxe exemplos claros de como a tecnologia pode ser usada para pessoas estarem na pele das outras, mas nunca esquecendo que uma boa história é necessária para criar essa conexão. 

A produtora cita o painel do artista e cineasta Gabo Arora que disponibilizou o filme "Clouds Over Sidra", sobre a violência nos campos de refugiados na Síria, que faz parte do movimento mundial "VR for Good" (Realidade Virtual para o Bem, em tradução livre). Os voluntários do O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) foram às ruas com os óculos de realidade virtual, compartilhando o filme em mais de 40 países.

A resposta de quem o assistia em realidade virtual foi avassaladora. Uma em cada seis pessoas que passou pela experiência imersiva fez doações para o programa, o dobro da taxa normal de arrecadação. Já na palestra da documentarista Nonny de La Peña, que trabalha com jornalismo imersivo, La Peña citou um projeto que aponta que 40% dos jovens moradores de rua nos Estados Unidos são da comunidade LGBTQI+ rejeitados pela família.

A jornalista levou a experiência em realidade virtual mostrando essa situação das ruas a um público diverso. "As pessoas mais conservadoras, mais preconceituosas e homofóbicas, apoiaram a causa porque se colocaram no lugar dessas pessoas. Então a realidade virtual como uma máquina de se sentir no lugar das pessoas é uma coisa muito poderosa."

"Quando você coloca o óculos, você não é mais o espectador de alguma coisa, você é parte da história. Não existe mais aquela distância entre você e aquele retângulo que a gente chama de tela, que é uma coisa acontecendo no outro espaço e que você é um mero espectador. Então é impossível você não criar uma relação com aquilo que está acontecendo", diz Fernanda.

O céu não é mais o limite

Centenas de outras experiências e dispositivos foram apresentados no evento. Entre eles, paredes que assim como fones de ouvido, bloqueiam todo ruído externo, óculos que fazem com que você elimine do campo visual objetos ou pessoas, além de inúmeros aparelhos que permitem o indivíduo em fazer em casa seus próprios exames médicos com o auxílio de pulseiras ou privadas personalizadas. 

Os aplicativos de entretenimento também se reinventaram durante a pandemia, destaca a produtora. "O Tiktok permitiu a volta de um sucesso da banda Fleetwood Mac mais de 40 anos depois. Quando não se está mais limitado geograficamente, o mundo metaverso de games permite que artistas de música e audiovisual encontrem um novo espaço para engajamento com seus fãs. Shows e performances estão sendo realizados em ambientes de jogos. O rapper Travis Scott fez um show no Fornite para milhões de fãs e aumentou 25% a receita, incluindo a venda de roupas para usar virtualmente nos personagens", finaliza.