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Porta-voz da Acnur no Brasil destaca resultados positivos de operação para interiorizar migrantes venezuelanos

23/04/2021 13h32

Mais de 50 mil migrantes e refugiados venezuelanos foram beneficiados no Brasil pela estratégia de interiorização do governo, dentro da chamada "Operação Acolhida". Com o apoio da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), o programa completou três anos neste mês de abril. Luiz Fernando Godinho Santos, porta-voz da Acnur no Brasil, conversou com a RFI sobre a iniciativa.

Cerca de 260 mil refugiados e migrantes venezuelanos vivem atualmente no Brasil. Boa parte deles se instala no norte do país, mais especificamente no estado do Roraima. Luiz Fernando explica que através da estratégia de interiorização, 50.475 migrantes e refugiados venezuelanos puderam ser realojados em outras 675 cidades brasileiras. O objetivo é melhorar as condições de vida dessas pessoas e aliviar a pressão em algumas regiões na fronteira em os dois países, minimizando o impacto sobre os serviços e infraestruturas públicas nestes locais.

"A estratégia de interiorização foi implementada há três anos, logo que a Operação Acolhida foi lançada. Já se havia um entendimento que a economia no estado de Roraima, um dos estados mais isolados da Federação brasileira, não teria condições de absorver essas pessoas. Muitas delas não estavam apenas em trânsito no Brasil e gostariam de permanecer no país e reiniciar a vida delas aqui", diz o porta-voz da Acnur no Brasil.

Luiz Fernando salienta que a interiorização é um dos três eixos da Operação Acolhida, estabelecida em 2018, durante o governo de Michel Temer. Além desta estratégia, há outros dois mecanismos para o acolhimento dos migrantes e refugiados venezuelanos: o ordenamento de fronteira - para o registro das pessoas que chegam ao Brasil - e a resposta humanitária emergencial, que tem o objetivo de abrigar as pessoas mais vulneráveis nos estados de Roraima e Amazonas. O Acnur apoia todas as etapas da operação.

A pandemia de Covid-19 diminuiu as chegadas dos migrantes no país, mas não interrompeu o trabalho humanitário junto a eles, apesar do fechamento das fronteiras. Além disso, os venezuelanos que vivem em Roraima ainda necessitam de assistência para abrigo, saúde e alimentação.

"Pela nossa experiência, não só no Brasil como em outros países, a gente sabe que as pessoas que têm essa necessidade de deixar o seu país por causa de situações graves relacionadas a direitos humanos ou situações complicadas do ponto de vista social e econômico, acabam encontrando formas de se deslocar. Mesmo com o fechamento das fronteiras, a gente tem registrado essas chegadas que se tornaram mais desafiadoras. Por estarem em situação irregular do ponto de vista migratório perante as autoridades brasileiras, essas pessoas se tornam ainda mais vulneráveis", reitera Luiz Fernando.

Resultados positivos

O porta-voz da Acnur ressalta os resultados positivos da estratégia de interiorização no Brasil. Dentre os beneficiários, 47% são mulheres e meninas e 37% são menores de 18 anos. Um total de 88% dos venezuelanos interiorizados viajou em grupos familiares, enquanto outros 12% viajaram sozinhos.

"A gente fez uma pesquisa com 360 famílias que foram interiorizadas que revelou que 77% delas encontraram emprego algumas semanas após chegarem às cidades de destino. Uma nova pesquisa que vamos divulgar em breve mostra que muitas delas já saíram dos abrigos e já têm renda suficiente para alugar uma casa", destaca.

Segundo estimativas do governo brasileiro, mais de 500 mil migrantes chegaram ao Brasil desde o início da crise humanitária na Venezuela, dos quais cerca de 260 mil continuam em território brasileiro. A crise política e econômica na Venezuela piorou com a pandemia de Covid-19, levando muitos migrantes a interromper os planos de voltar ao país e instalando-se definitivamente no Brasil.

"A gente sabe, pela nossa experiência em vários países, que ninguém quer ser refugiado, as pessoas querem voltar para suas casas, se houver condições para retorno. Infelizmente, no caso da Venezuela isso ainda não acontece. Por isso, percebemos que os venezuelanos estão neste processo de querer permanecer no país que os acolheu", afirma Luiz Fernando.

Integração dos migrantes no Brasil

O porta-voz da Acnur explica que o processo de integração dos migrantes e refugiados venezuelanos no Brasil varia de acordo com a região onde eles se instalam. Nos estados do norte, principalmente em Roraima, que já sofre com a falta de infraestrutura básica, o acolhimento é mais complexo.

"Quando a gente leva essas pessoas para outros centros urbanos do país, a gente nota uma capacidade de integração bastante grande e uma postura dos brasileiros e brasileiras bastante positiva em relação a essas pessoas. O Brasil historicamente é formado por migrações, existem grandes comunidades de outros países entre os cidadãos, então esse caldo cultural do Brasil é bastante favorável a essa integração", sublinha.

Luiz Fernando reconhece que pode haver problemas ou "um certo desconforto" em relação a essas populações entre alguns grupos específicos no Brasil, mas segundo ele, esses casos são pontuais. Por isso, ele diz que é parte da missão dos trabalhadores humanitários mostrar que os migrantes podem contribuir com a comunidade que as acolhe.

"A gente vê essas pessoas abrindo os seus negócios, pagando impostos, trazendo culturas novas para as empresas que as contratam. São muitos os benefícios que advém desse processo de integração. Não apenas para os migrantes, mas para a economia do país e as comunidades que acolhem essas pessoas", diz.

Apesar das críticas frequentes do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ao governo venezuelano, o porta-voz da Acnur afirma que o trabalho humanitário junto aos migrantes não é afetado por essa postura.

"Somos pautados pela total imparcialidade e neutralidade em relações às questões políticas e econômicas. Nós temos uma ótima relação com o governo Bolsonaro no que diz respeito às questões relacionadas aos refugiados. Estamos presentes também na Venezuela, atendendo à população lá que tem se necessitado dessa assistência, e a gente não mistura as coisas. Então, essa questão política não interfere no nosso trabalho", explica.

A animosidade de parte da população contra trabalhadores de ONGs, crescente devido à polarização da população brasileira nos últimos anos, é vista como um desafio adicional. Luiz Fernando afirma que a tensão política pode "criar obstáculos", mas, segundo ele, "é possível contornar essas situações para continuar promovendo essa assistência tão necessária".

"Essas situações são pontuais, estimuladas ou ocorrem em relação a um episódio específico. Por isso a gente procura sempre reforçar a nossa neutralidade e imparcialidade, reforçar as necessidades que essas pessoas têm em termos de direitos humanos e com isso a gente consegue manter o chamado 'espaço de proteção', que nos garante a atuação da nossa resposta humanitária nessas situações", conclui.