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Berlinale: Documentário bielorusso traz bastidores e imagens inéditas da revolta contra Lukashenko

12/06/2021 12h56

"Courage", o longa-metragem de estreia do diretor bielorusso Aliaksei Paluyan, traz um documento contundente das manifestações e protestos da sociedade civil de Belarus em 2020 contra o regime de Alexander Lukashenko, no poder há 26 anos. Rodado na capital, com uma câmera subjetiva a partir do olhar de atores do Teatro Livre de Minsk, o filme traz imagens impressionantes desde a noite da eleição, que deflagrou a onda de manifestações, até a deportação e exílio dos atores em Kiev, na Ucrânia. 

Enviada especial a Berlim

Uma máquina do tempo que catapulta o espectador para dentro de um regime inimaginável, que mistura tortura, sequestros e deportações numa metrópole pós-soviética, em pleno mundo globalizado de 2021. Esta poderia ser uma das sinopses possíveis de "Courage", o documentário de estreia do diretor bielorusso Aliaksei Paluyan, de 32 anos. O filme estreou para o público na seção Special da 71ª edição da Berlinale, despertando grande interesse da imprensa europeia na sexta-feira (11).

"Eu sabia que aquele seria um momento crítico da nossa história", diz Paluyan. "Eu e minha operadora de câmera não somos ingênuos e não romantizamos os protestos, nunca achamos que seriam pacíficos", confessa o diretor bielorusso. "Estávamos preparados [para a repressão] e, infelizmente, estávamos certos", diz.

Como o próprio nome indica, "Courage", ou "Coragem", traz um retrato intergeracional da revolta popular que tomou as ruas de Minsk contra o regime de Alexander Lukashenko, em 2020. "Os três protagonistas do meu filme Denis, Maryna e Pavel, trabalham há 16 anos como atores no famoso teatro underground 'Belarus Free Theater', em Minsk. Eu tenho uma relação muito próxima com eles, e realmente senti que precisava apoiá-los. Como diretor, queria fazer um filme que mostrasse a verdade sobre suas vidas e seu trabalho, e também o que as pessoas em Belarus sentem e sonham agora", afirma o diretor.

"Fiquei fascinado pela maneira com que o teatro conseguia transmitir e comentar de maneira muito simples e poderosa os episódios históricos de Belarus, e pelo papel dos artistas independentes em países autoritários, o preço que se paga por dizer a verdade. Fui falar com eles, e abordei uma possível participação no filme. Eles disseram 'claro, não somos vítimas desse sistema'. Neste momento, começamos a rodar. Hoje eles são meus amigos. Esta é característica de um filme documentário, você vive com as pessoas. Hoje, estão todos exilados em Kiev, na Ucrânia, pegaram o último avião saindo do país", revela.

O documentário traz momentos emocionantes, como o episódio em frente a Okrestina, a prisão bielorussa conhecida pela tortura de manifestantes que fazem oposição a Lukashenko. "Havia centenas de pais, famílias e amigos que estavam esperando lá por dias na esperança de que seus entes queridos estivessem vivos e que talvez mesmo fossem liberados. Estava absolutamente silencioso. E então você ouve as grandes portas de metal se abrindo e as primeiras mulheres são liberadas. Todas essas pessoas que estavam esperando em silêncio começam a aplaudir, mas imediatamente ficam quietas novamente porque dentro da prisão, quando os guardas ouvem os gritos de fora, eles recomeçar a bater ainda mais forte nos outros prisioneiros", testemunha o diretor.

Com longas tomadas pela arquitetura de Minsk, de forte herança do período soviético, o diretor convida os espectadores a fazerem uma imersão num universo paralelo com letreiros em alfabeto cirílico, uma blade runner pós-comunista impensável para a geração de millenials - como o próprio Paluyan - que não viveram o espólio cultural da guerra fria no chamado "ocidente". Uma cena emocionante mostra o momento em que milhares de pessoas marcham pacificamente para o Parlamento em Minsk, antes que as forças de segurança corram para fora do prédio e os espectadores compreendam que não há um político dentro do parlamento, mas apenas soldados.

Nascido no ano da queda do Muro de Berlim, em 1989, Paluyan representa também a geração que cresceu no desagregamento daquilo que foi um dia foi chamado de União Soviética. O diretor estudou cinema na Kunsthochschule Kassel, a Escola de Artes de Kassel, na Alemanha, onde hoje vive e trabalha. É claro que eu tenho medo de voltar [a Belarus], que eu não posso voltar, depois desse filme. Hoje vivo como exilado político em Berlim. Mas não cogito parar, não posso deixar de continuar a denunciar o que acontece lá, não posso fazer outra coisa", diz o diretor, cujos pais ainda moram em Minsk.

"Meus pais tinham a intenção de me levar para Belarus logo depois do meu nascimento, em 1989. Mas, duas semanas depois, o Muro de Berlim caiu, e o projeto se tornou impossível. É muito interessante, porque meus pais vinham de um sistema que havia colapsado - na Alemanha oriental - e queriam voltar para uma União Soviética que também havia colapsado. Você deseja criar um novo país - Belarus - mas você não faz a mínima ideia do que seja ser livre, porque, na verdade, você não lutou por isso. E, na minha opinião, se você não entende bem como conseguiu sua liberdade, você vai perdê-la", diz.

COURAGE Deutscher Kinotrailer from Aliaksei Paluyan on Vimeo.

"Às vezes considero a geração de meus pais um pouco passiva. E um pouco ingênua também de acreditar que haveria essa 'liberdade' depois do colapso da União Soviética. Penso que a minha geração precisa descobrir qual o seu papel em Belarus. Temos um longo caminho a percorrer, porque vivemos no tempo do populismo em toda a Europa", diz Aliaksei Paluyan, em entrevista à RFI. "Meu novo filme de ficção é sobre essa geração à qual pertenço, que nasceu em 1989, ano da queda do Muro de Berlim. Esse evento mudou não apenas a história da Alemanha, mas certamente também a história do mundo", revela.

O filme ainda não tem previsão de exibição em terras brasileiras. "Gostaria muito de ir ao Brasil", confessa o diretor. "É uma história um pouco parecida com a nossa. Primeira vocês tiveram a possibilidade de uma mulher [Dilma Rousseff] governar o país como nós [xcom a opositora Svetlana Tikhanovskaya, hoje exilada na Lituânia], e agora vocês têm um tirano no poder, assim como os bielorussos", considera.