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Marcha de ultranacionalistas em Jerusalém é primeiro desafio de novo governo israelense

15/06/2021 06h21

Nem bem tomou posse como novo primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett enfrentará, nesta terça-feira, seu primeiro desafio à frente da coalizão que derrubou o ex-premiê Benjamin Netanyahu. Bennett foi empossado no domingo à noite e só começou seu mandato nesta segunda-feira. Mas, em seu segundo dia como premiê, deve enfrentar a realização de uma marcha de ultranacionalistas em Jerusalém.

Daniela Kresch, correspondente da RFI em Israel

A manifestação pode reacender o conflito entre Israel e o grupo islâmico Hamas, da Faixa de Gaza, como o que aconteceu há dois meses.

A marcha tinha sido marcada para 10 de maio, mas foi suspensa justamente por causa da escalada de tensão regional e de ameaças do Hamas de que iria retaliar com violência caso ela ocorresse. Apesar da suspensão, outros motivos levaram o Hamas a atacar Jerusalém com foguetes de longo alcance nesse mesmo dia.

O que se seguiu foram 11 dias de ataques e contra-ataques entre Israel e o Hamas, que causaram mais de 250 mortes do lado palestino e 15 do lado israelense. Agora, o grupo islâmico Hamas já alertou que pode reagir e essa nova passeata.A chamada "Marcha das Bandeiras", organizada por grupos de extrema-direita, é uma tradicional passeata com bandeiras de Israel para celebrar o Dia de Jerusalém, data que comemora a conquista de Jerusalém Oriental por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Nesse dia, a cidade de Jerusalém foi "reunificada" depois de 19 anos separada por uma cerca entre o lado Ocidental, de Israel; e o Oriental, controlado então pela Jordânia.

Para os judeus israelenses, foi uma vitória importante porque é na parte Oriental que fica a Cidade Velha e, dentro dela, o Muro das Lamentações, local mais sagrado para o judaísmo. Mas, para os palestinos e boa parte dos cidadãos árabes de Israel, o controle israelense da parte Oriental da cidade foi uma invasão que eles não reconhecem até hojCom a Marcha das Bandeiras, os ultranacionalistas pretendem demonstrar a soberania de Israel nessa parte da cidade marchando por dentro do bairro árabe da Cidade Velha. A polícia conseguiu pelo menos limitar que a passeata ocorra dentro da Cidade Velha, limitando os manifestantes ao Portão de Damasco. O problema é que esse portão também é um ponto sensível na geografia de Jerusalém.

Desafio de se manter unido

 Além desse, a nova coalizão de governo chefiada por Naftali Bennett deve enfrentar muitos desafios. O novo governo foi aprovado na noite de domingo, 13 de junho, no Knesset, o Parlamento local, depois de dois anos de instabilidade política e quatro eleições.

A coalizão foi aprovada por um triz numa votação apertada que fez muita gente duvidar até o último segundo. No final, foram 60 votos a favor e 59 contra. Um parlamentar se absteve.

Pela primeira vez em 12 anos, o governo não contará com Benjamin Netanyahu, do partido conservador Likud, como premiê. Foi justamente para substituir Netanyahu que oito partidos de diversas vertentes políticas se uniram em uma coalizão improvável, formada por três partidos de direita, dois de centro, dois de esquerda e um partido da minoria árabe-israelense.

O maior desafio desse novo governo, então, é justamente manter-se unido pelos próximos anos. Esses oito partidos tão distintos se uniram com o objetivo principal de tirar Netanyahu do poder, alegando que ele é réu em três indiciamentos por corrupção e que ele monopolizou a política nacional por tempo demais, antagonizando boa parte das lideranças políticas do país.

 Os líderes da coalizão são Naftali Bennett, 49 anos, um ultranacionalista de direita; e Yair Lapid, 56, um progressista de centro. Bennett e Lapid dividirão o posto de premiê, sendo que Bennett será o primeiro-ministro oficial durante a primeira metade do mandato. Enquanto isso, Lapid será primeiro-ministro alternativo e ministro das Relações Exteriores, mas depois assumirá o posto de premiê.

 O problema é que, além da agenda anti-Netanyahu, Bennett, Lapid e os outros membros do governo discordam de quase tudo em assuntos fundamentais em Israel, como o relacionamento com os palestinos, a separação entre religião e Estado e direitos da comunidade LGBT.

 A ideia da coalizão, então, é não tocar nesses pontos nevrálgicos e atuar só em questões consensuais, como a aprovação de um orçamento, construção de hospitais e estradas, fortalecimento da educação e etc. Mas será difícil não esbarrar em discórdias nos próximos meses e anos, o que poderia levar à implosão da coalizão.

Relações com Brasil podem mudar

 A mudança em Jerusalém pode afetar o relacionamento entre Brasil e Israel por causa da preferência clara do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro por Netanyahu, considerado um de seus principais aliados internacionais, assim como era também o ex-presidente americano Donald Trump.

Não há informações de que o presidente brasileiro tenha telefonado para Naftali Bennett para parabenizá-lo - o que, aliás, fez o presidente americano Joe Biden apenas 15 minutos depois da eleição do novo premiê de Israel. Mas Bolsonaro postou nesta segunda-feira uma mensagem em suas redes sociais dando as "boas-vindas" ao novo governo israelense e dizendo que o Brasil "não faltará a Israel e aos judeus".

A postagem, no entanto, começou com um profundo agradecimento ao Benjamin Netanyahu, deixando claro seu lamento com sua saída do poder: "Agradeço a Netanyahu, meu grande amigo, pelo ótimo trabalho que pudemos desenvolver juntos no fortalecimento da parceria entre os nossos países e na promoção do bem-estar dos nossos povos", escreveu Bolsonaro.

O Itamaraty também divulgou uma nota afirmando que "o governo brasileiro saúda o novo governo israelense" e "deseja sucesso ao primeiro-ministro Bennett". Mas a pergunta é como fica, de agora em diante, a promessa de Bolsonaro de, por exemplo, transferir a embaixada brasileira para Jerusalém diante de um novo governo, em Israel, que não dispensará ao Brasil tanta atenção.

 Em discurso de posse como novo chanceler de Israel, Yair Lapid, por exemplo, deixou claro que vai focar menos no apoio dos evangélicos do mundo e mais em melhorar os laços com os judeus da Diáspora. Lapid também criticou a escolha de Netanyahu por apenas apoiar o Partido Republicano nos Estados Unidos em detrimento dos democratas, o que leva a crer que o novo governo israelense se esforçará para não se associar somente a líderes de direita pelo mundo.