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Professores franceses receberão treinamento sobre laicidade após decapitação de Samuel Paty

16/06/2021 15h37

O ministro da Educação da França, Jean-Michel Blanquer, vai introduzir um treinamento para professores e diretores sobre o tratamento da religião nas escolas, especialmente em relação a alunos e pais de alunos que desconhecem a lei do secularismo francês, criada em 1905. A decisão do governo acontece depois que um novo relatório revelou um grande medo entre os professores ao abordar o tema da interdição de símbolos religiosos nas escolas, depois da decapitação do professor Samuel Paty.

Em fevereiro, o ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, encomendou um relatório ao ex-inspetor escolar Jean-Pierre Obin sobre como professores e diretores poderiam estar mais bem equipados para lidar com a questão do secularismo [a laicidade] nas escolas francesas. O resultado preocupou o governo francês, que decidiu proteger os professores com treinamento e informação.

De acordo com a lei francesa, a religião não é ensinada nas escolas públicas, exceto como conhecimento prévio, quando é necessária para a compreensão de outras disciplinas, como a história ou a literatura.

Funcionários e alunos de qualquer credo religioso também estão proibidos de usar símbolos religiosos nas escolas públicas, a menos que seja muito discreto.

A legislação atual sobre o secularismo baseia-se na lei francesa de 1905 sobre a separação entre Igreja e Estado. Naquela época, a Igreja Católica, o credo da maioria no país, era considerada muito poderosa.

A lei de 1905 primeiro proclama a "liberdade de consciência". Seu objetivo é a liberdade religiosa, a liberdade de exercer cultos diversos e a não discriminação entre as religiões. Em segundo lugar, estabelece o princípio da separação entre Igrejas e Estado: "A República não reconhece [como oficial], não financia nem subsidia nenhuma religião", diz o texto. 

Uma realidade complexa

Em outubro de 2020, o professor de história Samuel Paty foi decapitado nos subúrbios de Paris por um terrorista islâmico checheno por mostrar caricaturas do profeta Maomé a alunos em uma aula sobre liberdade de expressão. O assassinato deixou muitos colegas assustados e gerou um clamor por mais ajuda para lidar com pais e alunos que não entendem que a religião não faz parte da vida escolar na França, e que não existem leis contra a blasfêmia.

O relatório de Jean-Pierre Obin, divulgado na segunda-feira (14), descreve a confusão entre alunos e até professores sobre o que o secularismo implica. Ele também destaca que as raízes históricas das leis atuais sobre o secularismo nem sempre são compreendidas. "Muitas crianças", diz Obin, consideram o secularismo "coercitivo ou punitivo", inventado para "restringir a expressão religiosa".

A autocensura de professores

Elaborado após ampla consulta, o relatório cita professores que admitem ter optado por não discutir determinados temas "para evitar incidentes". Obin também descreve o desejo de certos diretores de escolas de evitar "criar problemas ou atrair atenção" quando há violações claras da lei do secularismo entre os alunos.

O relatório ressalta a necessidade de um entendimento claro e uniforme da laicidade em um momento em que, afirma, os sites de alguns institutos de formação de professores e autoridades educacionais promovem uma versão mais "flexível" do secularismo, em relação ao Islã.

O novo programa de formação anunciado pelo ministro Jean-Michel Blanquer sobre o tema é direcionado a todos os professores, de modo que haja um entendimento comum do que a ideia envolve, e para que todos os professores e diretores de escolas tenham clareza sobre o que está envolvido, e sobre o que não é permitido.

Mil profissionais iniciarão a formação em setembro e depois formarão outros para que o programa se espalhe mais rapidamente: no momento, apenas 1% dos professores do ensino fundamental francês e 4% dos professores do ensino médio têm alguma formação oficial sobre o tema do secularismo.