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A três meses da COP de Glasgow, limitar aquecimento global a 1,5?C já é "quase impossível"

29/07/2021 08h16

Um novo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas), a ser divulgado em 9 de agosto, promete tornar ainda mais ambiciosa a missão dos 195 países que se reunirão na Conferência do Clima de Glasgow. A COP 26 acontecerá daqui a três meses na cidade escocesa, num evento marcado pelas promessas de uma "retomada verde" da pandemia de coronavírus.

Antes disso, o grupo de trabalho do IPCC sobre emissões de gases de efeito estufa se debruça, atualmente, sobre cinco cenários globais da trajetória de emissões até o fim deste século. O horizonte inclui opções mais ou menos otimistas em relação às ações dos países para conter as mudanças climáticas, indica a ex-pesquisadora do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Thelma Krug, vice-presidente do respeitado painel de cientistas internacionais.

"Eu acho que esse relatório do grupo 1 vai reforçar ainda mais a importância e a necessidade de reduções muito substantivas, muito ambiciosas de emissões", afirma.

O IPCC tem três grandes grupos de trabalho, que analisam centenas de milhares de publicações científicas sobre os diferentes aspectos do tema. O painel publica relatórios a cada sete anos, nos quais aprofunda, confirma ou afasta hipóteses da ciência para explicar o aquecimento verificado no planeta desde a era industrial. Os documentos costumam embasar as negociações dos governos sobre o clima, no âmbito das COPs, promovidas pelas Nações Unidas.

Pior e melhor cenários afastados

No último estudo, divulgado em 2014, o cenário mais negativo de emissões apontava para um aumento de até 6?C na temperatura do planeta até 2100. Porém, os compromissos assumidos no Acordo de Paris hoje rebaixam essa possibilidade para em torno de 4?C.

Por outro lado, o objetivo mais audacioso do tratado, de limitar o aquecimento a 1,5?C, já "é quase impossível" de ser atingido, adverte Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da UFRJ e membro do grupo de trabalho do IPCC sobre mitigação.

"O cenário mais negativo hoje não é tão ruim quanto já foi no passado, mas estamos muito longe de conseguir cumprir a meta de no máximo 2?C, e ainda mais de cumprir a meta de apenas 1,5?C mais quente. Hoje, estamos na iminência de já entregar os pontos e vermos que limitar a 1,5?C não dará mais", sublinha o especialista.

"A mensagem científica está cada vez mais clara, mais robusta. O que se espera é que haja uma reação que seja em conformidade com o que a ciência está dizendo", complementa Krug. "Se pegarmos as contribuições que todos os países estão colocando à mesa, hoje nós estamos numa trajetória mais compatível com um aquecimento de 3?C do que 1,5?C ou bem menos do que 2?C", salienta a vice-presidente do painel.

Planos abalados pelas mudanças climáticas

Até pouco tempo atrás, as mudanças climáticas eram um conceito distante, previstas para um futuro pouco palpável, de 2050 ou mais. Mas a frequência e a intensidade dos eventos extremos nos últimos 10 anos mostram que eles são, desde já, o resultado das alterações do clima.

Isso significa uma necessidade de adaptação ainda mais urgente à nova realidade. O Brasil, por exemplo, se orgulha da sua matriz energética limpa, baseada sobretudo na produção das hidrelétricas. O problema é que as mudanças do clima já atingem o funcionamento dessas usinas - que dependem de um ciclo regular de chuvas, cada vez mais alterado. Num contexto pós-pandemia, Roberto Schaeffer chama a atenção para o risco de os governos adotarem medidas ainda mais danosas ao meio ambiente, na ânsia de enfrentar  a crise.

Riscos para o Brasil

"Estamos vivendo hoje uma seca que, aparentemente, é a pior dos últimos 100 anos, pelo menos, com risco de faltar energia elétrica no Brasil. O que está acontecendo hoje é que, para tentar preservar a água dos reservatórios, estão acionando todas as usinas térmicas possíveis", diz o pesquisador da UFRJ. "Não é impossível que tenhamos um movimento no Brasil - espero que não - de se tentar voltar a ter mais térmicas para não se depender tanto das hidrelétricas."

Este é um exemplo do quanto as soluções que contam com os recursos naturais estão ameaçadas. "Se não houver uma enorme redução de emissões no setor de energia, incluindo a parte de transportes, que não é muito simples, mas também de edificações etc, teremos impacto nas alternativas baseadas em ecossistemas. Eles são muito vulneráveis ao aumento de incêndios florestais, à inundações, como vimos agora na Alemanha - sem dizer que elas estejam totalmente ligadas à mudança do clima", explica Krug. "As secas e outros eventos podem tornar todas essas alternativas que estamos fazendo, não só para mitigação como para a adaptação, muito vulneráveis", frisa a cientista.

Schaeffer também antecipa que uma das novidades do novo relatório do IPCC será demostrar qual será o pesado custo, para os países, de não fazer nada para limitar as emissões. "Já se sabe hoje que o 'pagar para ver' será muito mais caro do que o pagar para não acontecer", destaca.