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Um ano após explosão em Beirute, "tem gente que trabalha de manhã para comer a tarde", conta brasileiro

04/08/2021 13h39

O Líbano recorda nesta quarta-feira (4) um ano desde a gigantesca explosão que devastou a capital. Mas além da tragédia humana e da sensação de impunidade que reina na população, a crise econômica vem piorando, diante de um impasse político que bloqueia o país.

Com informações de Liliane Henriques

O caos no Líbano começou antes da explosão no porto de Beirute, com um país falido, bloqueando as poupanças de seus cidadãos nos bancos, enquanto a moeda local afundava no mercado negro. Atualmente, mais de metade da população vive abaixo da linha da pobreza.

O país sofre com a escassez de medicamentos, combustível e água potável, dificuldades que agravam o trauma nacional causado pela explosão e que atingem o setor da saúde. "Você vai nas farmácias e não tem mais medicamentos ou, quando encontra, é com preços absurdos", conta o historiador brasileiro Roberto Khatlab, que há mais de 25 anos vive entre o Brasil e o Líbano. "Tenho amigos diabéticos, que têm que tomar insulina, e não encontram mais nas farmácias" conta o pesquisador, que dirige o Centro de Estudos e Culturas da América Latina na Universidade Saint-Esprit de Kaslik, ao norte de Beirute.

Mas o brasileiro lembra que essa situação não é nova e que a explosão de agosto de 2020 apenas agravou a crise econômica e política. "O governo não está pensando no povo", dispara o pesquisador, em alusão ao impasse para a formação de uma equipe para dirigir o país que, em um ano, já teve três premiês. A reestabilização da política, aliás, é apresentada pela comunidade internacional como uma condição para que o Líbano receba mais ajuda financeira para sua reconstrução.

"Alguns preferem essa falta de governo"

A questão da divisão dos ministérios é o principal obstáculo para a formação de um governo libanês. "Tem grupos aqui que preferem essa falta de governo para agir mais fácil. Ou que pensam no partido ou em sua comunidade [religiosa] e esquecem que trata-se do Líbano", avalia a historiador. "Há uma má vontade dos chefes dos partidos políticos, que atrapalham essa formação [de governo] por querer tal ministério", insiste. 

"Estamos no mesmo lugar político, mas economicamente cada vez pior", alerta. "Por causa de algumas pessoas e alguns grupos, o país está parado, com muita gente passando fome. Muitas pessoas trabalham de manhã para comer a tarde. Onde está o governo que não vê essas dificuldades?", pergunta o pesquisador.

"Um ano depois, ainda não saímos do lugar. Tem gente, perto do porto, que mora em casas que estão sem teto, que moram em casas em ruínas", relata.

"Cuidado com a nossa raiva"

A população vem se manifestando e mais um protesto contra a impunidade diante da explosão, mas também contra a crise generalizada, acontece nesta quarta-feira (4).

Na segunda-feira (2), parentes das vítimas também pediram às autoridades que suprimissem a imunidade daqueles envolvidos no caso, alertando que estão dispostos a "quebrar ossos" durante os protestos que tomarão as ruas. "As manifestações pacíficas acabaram. Cuidado com a nossa raiva", alertou Ibrahim Hoteit, porta-voz das famílias das vítimas.

No entanto, Roberto Khatlab teme que essa mobilização não alcance resultados concretos. "Todas as manifestações são ouvidas, mas no final não dá em nada. Como em tantas outras manifestações feitas após assassinatos que aconteceram no Líbano e que ninguém tem resposta. Sempre ficam rodeando a questão, não apresentam os culpados ou uma solução", desabafa.