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Sai carro, entra reciclagem: Paris troca vaga de estacionamento por composteiras

05/08/2021 13h52

Primeiro vieram os parklets, bancos de madeira e espaços de convivência que tomaram o lugar de áreas de estacionamento. Agora, Paris começa a ocupar vagas de carros nas ruas com composteiras comunitárias, para estimular a separação e o tratamento de resíduos orgânicos por seus moradores. A iniciativa está alinhada com a intenção da prefeitura da capital francesa de acabar com 70 mil vagas de estacionamento até 2026.

Cristiane Capuchinho, da RFI

Hoje as vagas ocupam 8% do espaço público da cidade, o projeto é reduzir isso à metade e usar o espaço das ruas para outras atividades.

Entre o final de 2020 e fevereiro deste ano, a prefeitura perguntou aos habitantes: "o que você faria com 10 m² em frente a sua casa?". Mais de 16,5 mil parisienses participaram da sondagem e votaram majoritariamente pela eliminação das vagas para carros. No lugar delas, querem bancos, jardineiras, estacionamento para bicicletas e... composteiras comunitárias

A primeira experiência de trocar o espaço ocupado por um carro por um lugar para produzir adubo foi implementada há um ano. Em um bairro do sul de Paris, quatro vagas de estacionamento foram ocupadas por composteiras para recolher os restos alimentares dos vizinhos.

O projeto começou com uma parceria entre uma start-up de tratamento de resíduos orgânicos parisiense, a Les Alchimistes, e a associação de bairro, com apoio da subprefeitura.

"A composteira já era uma demanda na associação, que trabalha pelo aumento dos laços de convivência no bairro, mas também tem interesse pela transição ecológica", conta Patrick Bernard, fundador da Hypervoisins. "Como as composteiras não poderiam ocupar o tempo todo o espaço da calçada, era necessário encontrar um lugar em que pudessem ficar de maneira fixa. Visto que a prefeita tinha esse projeto de reduzir o número de vagas de estacionamento, decidimos fazer o pedido à prefeitura pelo espaço de quatro carros", relata.

Cada composteira fica dentro de um abrigo de madeira, protegida do acesso de ratos e outros animais, e fechada por um cadeado com código. Os moradores têm o código de acesso e são responsáveis pela triagem do material depositado.

Ao lado delas, foram colocadas jardineiras, que embelezam a rua e também mostram uma das razões para a separação do material orgânico: a produção de adubo.

"Temos atualmente 318 lares inscritos nestes quatro pontos de coleta voluntária, o que significa cerca de 700 pessoas, se considerarmos dois moradores em cada casa. Recolhemos o material orgânico duas vezes por semana, o que é um bom espaçamento de tempo para que os restos não apodreçam, mas também para que a composteira esteja cheia", explica Arthur Berta, chefe de projeto da Les Alchimistes.

Redução de 1/4 do lixo coletado

Com a separação dos restos alimentares, é possível reduzir em um quarto o lixo que vai para incineração ou aterros sanitários e valorizar este material.

Só nessa experiência com pouco mais de 300 domicílios, Arthur Berta explica que o material recolhido em um mês chega a duas toneladas.

"Isso dá para produzir um quinto de composto orgânico, algo entre 300 e 400 quilos de adubo produzido por mês", estima Berta. O adubo é vendido em lojas, mas parte também é distribuída como incentivo aos moradores, responsáveis pela triagem.

As composteiras comunitárias no meio do asfalto fazem parte de um cenário mais amplo de políticas para melhorar a coleta de lixo e valorizar o material orgânico. A cidade tem mais de mil composteiras coletivas administradas por associações de bairro em espaços públicos, como jardins, calçadões ou parques.

Há também coleta de lixo orgânico para compostagem em boa parte das feiras de rua, que acontecem diariamente na capital francesa.

A implantação de composteiras nas ruas é uma forma de aproximar o local de coleta do resíduo do produtor, ou seja, dos moradores. "Pouca gente está disposta a sair com seu balde de restos alimentares e andar 500m, 1 km, mas se for do lado de casa, é um estímulo para uma ação mais consciente", considera Bernard.

A experiência que começou em um distrito de Paris deve crescer. A prefeitura da capital francesa abriu em junho um edital específico para projetos de tratamento de resíduos orgânicos de proximidade. As iniciativas ganhadoras do edital deverão ser implantadas em 2022.

A Les Alchimistes tenta ampliar sua atuação para mais ruas e outros bairros. "Vamos apresentar nossa proposta para o 14° distrito e também para o 13° distrito de Paris. Se formos escolhidos, teremos segurança jurídica e financeira para ampliar o projeto nos próximos três anos", diz Berta.

Galinhas e composteiras individuais

Em outras regiões da França, as prefeituras encontram diferentes formas de incentivar o reaproveitamento dos resíduos orgânicos.

Na região metropolitana de Marseille, ao sul do país, as prefeituras já distribuíram cerca de 23 mil composteiras individuais para quem quer fazer seu adubo dentro de casa, além de 1,5 mil composteiras com minhoca.

A distribuição de galinhas é uma outra saída. A brasileira Flávia Zanin, moradora de Maisons-Alfort (a sudeste de Paris), adotou recentemente quatro galinhas poedeiras para comer os resíduos alimentares de sua família.

Dona de um grande jardim, Flávia separou 30 m² para os animais e se inscreveu na prefeitura local para receber as galinhas. "Eles são muito cuidadosos, vieram aqui olhar o espaço que eu tinha e me aprovaram para receber quatro galinhas. Eu tinha pedido seis", conta.

As galinhas comem os restos alimentares e põem dois ovos por dia cada. "Elas comem tudo, dão ovos e ainda são uma graça. Meus filhos estão adorando", afirma. 

Além de reduzir o lixo descartado, a brasileira se prepara para aumentar as plantas de casa e usar o adubo produzido pelas galinhas. "Desde que elas chegaram, só vejo benefícios."