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Alemães querem renovação política "sem traumas", diz sociólogo da Universidade Livre de Berlim

23/09/2021 15h07

A três dias antes das eleições legislativas alemãs, a distância entre as intenções de voto diminui entre os sociais-democratas do SPD, ainda favoritos, e o bloco conservador do CDU-CSU, segundo uma pesquisa do instituto alemão Kantar publicada nesta quinta-feira (22).

O SPD, cujo candidato a chanceler é o atual vice-chanceler e ministro das finanças Olaf Schölz, no governo de coalizão de Angela Merkel, perdeu um ponto percentual e está com 25% das intenções de voto, enquanto os conservadores, liderados por Armin Laschet, ganharam um ponto, registrando 22%.

"Existe uma expectativa de renovação política com estabilidade e continuidade, mas com alguma forma de renovação, após 16 anos de Angela Merkel no poder em quatro mandatos consecutivos", afirma Sérgio Costa, professor e diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim

"Renovação no sentido de definir políticas mais bem definidas de proteção climática. Todos os partidos incluíram com muito mais ênfase do que o atual governo alemão tem tratado do tema", continua o especialista.

Caso as urnas confirmem as intenções de voto e garantam aos sociais democratas o poder, o governo que pode-se esperar na Alemanha será mais ambicioso em temas sociais e ambientais, segundo Costa. "A expectativa é de que a Alemanha, e o governo alemão que se constituirá depois das eleições, será um governo mais social e mais ambientalista dos que foram os governos de Angela Merkel", diz o professor da Universidade Livre de Berlim na entrevista à RFI.

No entanto, descartada uma reviravolta nas urnas, mas neste caso, a surpresa, segundo o sociólogo, seria a vitória da coalização conservadora CDU, e a ascensão de Armin Laschet como chefe de governo.

"A surpresa que pode haver é que ao invés do partido de Schölz, tenhamos o partido de Laschet como vencedor. A possibilidade do Partido Verde recuperar a diferença e chegar a ser o partido mais votado nas eleições é muito remota.  Apesar de não ser descartada, é muito remota", afirma em relação à sigla liderada por Annalena Baerbock, que atualmente ocupa a terceira posição nas sondagens.

No entanto, o professor da Universidade de Berlim lembra que na Alemanha os principais partidos já não conseguem governar sozinhos e dependem de alianças com outras legendas para poder formar uma maioria para governar. A composição vai depender de negociações entre os grandes partidos e outros minoritários como o FD, liberal, ou o Die Liken, de esquerda. Em qualquer cenário, fica descartada qualquer composição com o Afd (Alternativa par a Alemanha), de extrema direita, partido rejeitado por todos.

O que muda para o Brasil ?

Desde a chegada ao poder de Jair Bolsonaro no Brasil, as relações entre os dois países são classificadas como regulares pelo sociólogo.

"O governo alemão hoje, ainda que mantenha as relações regulares, que não tenha nenhuma expressão externa de desacordo com o Brasil, internamente sabemos que tem reservas muito fortes com a maneira como o Brasil vem lidando com questões sensíveis como questões sociais, de terras indígenas, do direito ambiental. Isso ficou evidente com a retirada do governo alemão ao chamado Fundo Amazônia", exemplifica.

Ele lembra que não houve visita de chefe de Estado desde que Bolsonaro está no poder, e visitas de ministros, se houve, foram "muito discretas".

"Há reservas muito sérias que não se transformaram em sanções econômicas ou medidas mais duras ou manifestações diplomáticas mais enfáticas", ressalta.  No entanto,  segundo Costa, isso pode acontecer se a coalização vencedora reunir os sociais democratas, os partidos da esquerda e os verdes. "Eu conto que o Partido verde vai fazer uma pressão muito forte para impor sanções comerciais ao Brasil, caso o direito ambiental no Brasil continue sendo violado da maneira como está sendo. Pode haver alguma mudança dependendo da constelação que venha a governar a Alemanha", prevê.

Legado de Angela Merkel: conciliação

As eleições que vão marcar a saída de Angela Merkel do poder depois de quatro mandatos consecutivos, não vai representar muitos abalos, na opinião do sociólogo, pelo modo como a chanceler preparou sua transição. "A Alemanha está muito preparada e a Merkel foi muito precavida e permitiu que essa transição fosse feita completamente sem traumas. Ou seja: quem for o vencedor, ninguém vai questionar os resultados, ou questionar a legitimidade do próximo governante. Muito pelo contrário. Ela se manteve muito discreta em relação ao apoio a seu candidato, exatamente para que essa transição possa ser feita", analisa.

Diferentemente de outros chefes de governo da história recente da Alemanha, Merkel, não deixará uma grande obra, e sim, pequenas obras, na análise de Sérgio Costa. "Ela foi uma administradora de pequenas crises, a crise migratória, a crise financeira antes dela, a crise da pandemia, a crise europeia. Ela sempre foi muito hábil em manejar crises", afirma.

"Esse espírito conciliador, capaz de articular atores em situações opostos no jogo político, isso é algo que vai deixar uma lacuna. Ninguém vai conseguir substituir Angela Merkel na capacidade de articulação política", conclui.