Topo

Padres franceses investem nas redes sociais para aumentar rebanho

27/09/2021 13h51

Para atrair um público mais jovem e novos adeptos, a igreja católica francesa  aposta nos padres influencers, com dezenas de millhares de seguidores no YouTube e outras redes sociais. Os sacerdotes aos poucos modernizam a imagem da instituição no país, mas também são alvo de polêmicas.

Para atrair um público mais jovem e novos adeptos, a igreja católica francesa  aposta nos padres influencers, com dezenas de millhares de seguidores no YouTube e outras redes sociais. Os sacerdotes aos poucos modernizam a imagem da instituição no país, mas também são alvo de polêmicas.

Taíssa Stivanin, da RFI

Um dos ícones dessa nova geração de padres conectados é Paul Adrien, do convento dominicano d'Evry Courcouronnes, em Essone, na região parisiense.  Seus vídeos totalizam cerca de 1,4 milhão de visualizações e destoam dos sermões tradicionais de domingo. Em seu canal, ele debate questões variadas e originais, como, por exemplo: "Posso me tatuar sendo cristão? ", ou "é permitido ser cristão e fazer Yoga?"

Questionamentos que podem parecer insólitos, mas povoam a mente dos jovens católicos ou simpatizantes que seguem o padre na rede social desde 2019 - 60% deles tem menos de 35 anos. Em entrevista ao canal TF1, um dos canais de maior audiência da França, ele contou que seus superiores ficaram tão impressionados com o alcance de seus vídeos que ganhou, além do aval da chefia, um estúdio para produzir mais conteúdo.

 "O canal agora faz parte da minha missão", conta o religioso. Com mais de 30 mil seguidores, ele publica dois vídeos semanais, onde fala sobre questões existenciais de maneira descontraída. "Se Deus criou o mundo, quem criou Deus?", é o título de um deles.

Vincent Cardot, padre de 31 anos da diocèse de Langres, no leste da França, criou em 2020 um canal no TikTok, a rede social chinesa preferida dos adolescentes. Os vídeos do "Curé de TikTok"  têm mais de 70 mil seguidores. Em sua foto de perfil, o padre usa um boné com a aba para trás e faz pose de rapper. Em seus vídeos, ele aborda assuntos sensíveis, como a pedofilia, ou questões raciais: "Deus era Negro?"

Conectado, o sacerdote já tinha uma conta no Snapchat e no Instagram, e defende que o fim justifica os meios. "TikTok só é uma porta de entrada na Igreja e para entrar em contato com Deus. A ideia é que os jovens que assistam a esses vídeos tenham realmente vontade de entrar em uma igreja. A fé não é algo que se vive individualmente escondido atrás de uma tela, mas dentro de comunidade", disse à rádio francesa France Inter.

"Christfluencers"

O padre francês integra uma geração de padres conhecida como "Christfluencers", uma tendência que surgiu durante o lockdown que durou dois meses na França, entre março e maio de 2020, quando as igrejas foram fechadas e, sem o  dízimo, perderam mais de 40% de sua receita.

Mas nem sempre os padres pop agradam a comunidade católica. É o caso de Matthieu Jasseron, uma verdadeira celebridade da Internet, com mais de 600 mil seguidores no TikTok mas que, na opinião de muitos fiéis, passa dos limites.

O sacerdote provocou polêmica na comunidade católica no final de agosto, ao publicar um vídeo respondendo à seguinte pergunta de um internauta: "Gays continuam sendo cristãos?" O padre afirmou que, em nenhum lugar na Bíblia, "está escrito que a homossexualidade é pecado." O assunto foi tema de uma reportagem no jornal Le Monde.

O padre Paul Adrien tomou as rédeas da situação e reagiu às declarações, publicando um outro vídeo, para explicar que considerou "inadaptadas" as afirmações do colega. Uma discórdia entre influenciadores que mostra como a viralização de um vídeo pode atuar na contramão do que espera a igreja: atrair mais adeptos, sim, mas respeitando seus princípios, que continuam os mesmos apesar da nova roupagem. 

"Em vez de brincar de DJ, ele devia ler mais a Bíblia", alfineta o padre Paul Adrien em seu vídeo no YouTube, afirmando que a homossexualidade é considerada como um pecado, mas os homossexuais devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza, e não cabe aos homens julgá-los". Ele deixou claro, entretanto, que a igreja, e o Papa Francisco, são contra a união entre pessoas do mesmo sexo.

Convertidos?

O ex-porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, que gerenciou a comunicação do Vaticano durante 25 anos, vê a presença da Igreja Católica nas redes sociais como uma necessidade. "Se não as utilizamos, seremos excluídos da história", declarou à TF1. "Para nós, isso é normal. Comunicar é nossa missão."

O número de fiéis vem caindo e a presença nas redes, como lembra Lombardi, é uma questão de sobreviência. De acordo com um estudo do Ifop (Instituto de Estudos de Opinião e Marketing da França), 65% dos franceses se declaravam católicos em 2010, contra 87% en 1972. Em 2020, cerca de 58% das pessoas se declararam adeptas do Cristianismo.

A community manager da Diocese de Paris, Elisabeth Hu, conta que as paróquias parisienses são ativas nas redes sociais há cerca de dez anos, principalmente no Facebook. Segundo ela, não há dados sobre o número de católicos que se converteram graças a esses vídeos, mas é evidente que as redes geram um contato dos internautas com a religião, de maneira virtual ou presencial."Entre seguidores, há aqueles que não assistem às missas, estão à margem da igreja, ou na periferia, como diria o Papa Francisco. Talvez alguns deles venham à Igreja ou decidam acompanhar algumas das atividades porque assistiram nas redes sociais", explicou à RFI Brasil.

"Mas não podemos saber com certeza. Não perguntamos quando e de que maneira eles entram na Igreja. É muito difícil quantificar esse fenômeno", diz. "Em Paris, 4/5 dos padres estão presentes em pelo menos uma das redes. A maioria no Facebook e no YouTube, a metade no Instagram e algumas dezenas no Twitter", completa.

Elisabeth Hu gerencia a conta no Twitter @dioceseparis, voltada para o grande público de católicos praticantes da capital. Segundo ela, as homílias do arcebispo de Paris, Michel Aupetit, são as publicações de maior audiência, seguidas por vídeos com histórias da comunidade católica e séries sobre práticas ecumênicas, explicando, por exemplo, por que os católicos fazem o sinal da cruz." Esses vídeos geram facilmente mais de um milhão de visualizações", diz.

De acordo com ela, algumas paróquias parisienses têm sua própria conta no YouTube, e vários padres participam dos vídeos exibidos no mesmo canal. "O que é importante saber é se a mensagem foi bem compreendida e se os vídeos foram compartilhados, comentados. O interesse gerado é a variável mais importante. Não estamos em uma corrida pelas estatísticas. O número de visualizações é um indicador um pouco narcisista", observa. Como dizia Al Pacino, que interpreta o demônio, na cena final de "Advogado do Diabo" (1997), "A vaidade é, definitivamente, meu pecado favorito."