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"Piñera é o principal responsável", acusa governador chileno após ataque contra venezuelanos em Iquique

27/09/2021 13h55

O Ministério Público chileno abriu uma investigação sobre o violento ataque a migrantes venezuelanos em situação irregular, que tiveram seus poucos pertences incendiados no sábado (25) na cidade de Iquique (norte) por um grupo de manifestantes. O episódio foi duramente condenado pelo Unicef e a Acnur. O governador da região de Tarapacá, onde ocorreu o ataque, acusa o presidente chileno, Sebastián Piñera, de falta de uma estratégia sobre a questão migratória.  

O Ministério Público anunciou a investigação um dia após a manifestação  antiimigração que reuniu cerca de 3.000 pessoas que, com bandeiras chilenas e cartazes com mensagens, protestaram contra a chegada crescente de migrantes à cidade. Em meio a gritos xenófobos, um grupo incendiou os pertences dos migrantes que acampavam nas ruas de Iquique e a Polícia evitou que fossem agredidos pela multidão. 

A promotora Jócelyn Pacheco instruiu a Polícia de Investigações que investigue os fatos ocorridos, informou neste domingo (26) uma mensagem postada na conta no Twitter do Ministério Público da região de Tarapacá. Ela também "dispôs de medidas de proteção para as vítimas", cerca de 16 migrantes, entre eles crianças e idosos, que tiveram que fugir com o pouco que conseguiram salvar e pernoitar nas ruas e praias de Iquique. 

O protesto ocorreu um dia depois do desalojamento da Praça Brasil, onde há um ano pernoitam os migrantes mais pobres e sem documentos, que não conseguem chegar a Santiago e sobrevivem vendendo balas, pedindo esmolas ou limpando vidros dos carros nos sinais de trânsito da cidade.  

"Convidados antes de serem abandonados"

José Miguel Carvajal, governador da região de Tarapacá, onde fica Iquique, disse que nem ele, nem o prefeito da cidade foram alertados da operação de desalojamento e culpa o presidente Sebastián Piñera pela crise migratória no norte do país. "Até agora, esse governo não tem nem política, nem estratégia migratória definida", disse Carvajal em entrevista à RFI. "Não sabemos o que ele espera fazer sobre o assunto. Não sabemos quais são seus planos para resolver essa crise a médio e longo prazo, nem o que ele pretende fazer, concretamente, para integrar na nossa sociedade esses migrantes que foram convidados pelo [nosso] país antes de serem abandonados", denuncia.  

O governador também pede mais autonomia para poder agir. "Se o governo colocasse a nossa disposição os recursos necessários, ou se nos autorizasse a baixar um decreto especial para uma intervenção orçamentária para lançar ações humanitárias, a situação seria bem diferente", aponta. "Mas não apenas esse governo não faz seu trabalho como também não nos permite fazer a ação humanitária que é prioritária hoje".   

Segundo Carvajal, Piñera "é o principal responsável por esses acontecimentos que afetam milhares de pessoas em todo o país". O governador lembra que o chefe de Estado aprovou uma lei sobre o tema em abril, mas que não conseguiu implementar o texto até agora. "Claramente, o que pudemos ver é que este governo não foi capaz de prevenir a situação de fronteira, nem a perspectiva humanitária que exige um problema tão complexo como este fluxo migratório que vivemos", avalia, acusando o presidente de não ter trabalhado em colaboração com os vizinhos do Peru ou da Bolívia. 

Venezuelanos no Chile 

A comunidade venezuelana é a mais numerosa do Chile, com mais de 400.000 pessoas. Mas estima-se um número muito maior devido ao aumento de entradas por corredores clandestinos desde 2020, quando o Chile fechou suas fronteiras por causa da pandemia de Covid-19. 

Em 2018, o presidente Piñera ofereceu vistos exclusivos para que os venezuelanos "tivessem oportunidades no Chile". Porém, o governo chileno deu uma guinada em sua política de solidariedade com os migrantes e diminuiu drasticamente a aprovação de qualquer visto para quem viaja da Venezuela.  

Mas isso não impediu que milhares de migrantes venezuelanos entrassem no país, após viverem por alguns anos na Colômbia, no Equador e no Peru. As chegadas de pessoas ao Chile por passagens clandestinas somaram 23.673 até julho, quase 7.000 a mais do que em todo o ano passado, segundo o relatório do Serviço Jesuíta aos Migrantes (SJM) do mês de setembro.