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Chile e Equador são os países latino-americanos mais abalados pela investigação nos paraísos fiscais

22/10/2021 09h10

No campo das semelhanças, tanto no Equador quanto no Chile, os Ministérios Públicos abriram uma investigação penal enquanto a oposição nos Parlamentos avança com investigações políticas, com risco de destituição. A possibilidade de um processo de "impeachment" elevou uma polarização entre a direita e a esquerda e entre Legislativo e Executivo.

Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires

Nos dois países, o passado empresarial dos atuais presidentes entra em conflito com a função pública. Tanto no Equador quanto no Chile, são governos de direita com uma maioria opositora nos Parlamentos.

"No Chile e no Equador, há uma maioria de esquerda no Congresso e uma forte polarização. No Equador, Lasso ganhou com uma disputa eleitoral bastante acirrada. A oposição de esquerda agora vê uma oportunidade de ganhar, através de uma acusação constitucional, o que não conseguiu nas urnas", diz à RFI o sociólogo e cientista político Patricio Navia, da Universidade Diego Portales, no Chile, e da New York University, nos Estados Unidos.

O presidente chileno está a cinco meses de terminar o mandato e o presidente equatoriano está há cinco meses no cargo. O chileno tem uma baixíssima popularidade enquanto o equatoriano procura não perder a alta popularidade. Os dois recorreram ao "estado de exceção" para combater a violência, cientes de que, na América Latina, a presença das Forças Armadas nas ruas costuma trazer efeitos positivos, mesmo que transitórios, sobre a popularidade de um governo.

"Para a sociedade em geral, é um sinal de que o presidente está metido na questão da segurança. A militarização do país o ajuda muito porque, em geral, a população demanda mão-dura contra a criminalidade", explica à RFI o cientista político equatoriano Fernando Carrión, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO).

"Nesse ponto, o presidente equatoriano está construindo popularidade. Ele sai de uma posição defensiva e passa à ofensiva, usando uma medida de força visível. Não vai resolver o problema, mas, transitoriamente, interrompe a queda vertiginosa de popularidade", aponta Carrion.

Morte Cruzada

A construção de popularidade através da presença das Forças Armadas nas ruas indica que o governo do Equador se prepara para a chamada "Morte Cruzada" ou, pelo menos, expõe essa arma à oposição no Parlamento. A Morte Cruzada, prevista na Constituição de 2008, permite ao presidente decretar a dissolução do Parlamento, mas também se submete a novas eleições gerais. Enquanto isso, governa por decreto.

Para ser reeleito, apenas meses depois, um presidente precisa ter uma alta popularidade. O presidente do Equador, Guillermo Lasso, exibe o sinal de força a um Parlamento que manobra para destituí-lo.

"Enquanto o governo expõe a Morte Cruzada, a Assembleia expõe a destituição. São duas posturas extremas, mas que também podem levar as partes a uma negociação. Está funcionando como uma ameaça. É possível que a possibilidade de dissolução da Assembleia Nacional (Parlamento), leve a oposição a repensar o caminho da destituição", observa Carrion.

Para o analista político equatoriano Simón Pachano, da FLACSO, o presidente Lasso tem a vantagem de se antecipar à jogada dos legisladores da oposição.

"O presidente tende a ganhar porque pode dissolver a Assembleia em qualquer momento. Se a oposição avançar com a destituição, ele se antecipa e define", indica. Desde que a investigação Pandora Papers surgiu, a popularidade de Lasso caiu de 11 pontos, de 74,1% a 63,5%.

Pressão por reformas

O presidente Guillermo Lasso também ameaça usar a Morte Cruzada para pressionar o Parlamento a aprovar três projetos-lei com reformas estruturais: um projeto de sustentabilidade fiscal e de reforma tributária que será enviado ao Parlamento na semana que vem, uma reforma trabalhista e uma lei para promover investimentos.

Os três projetos formam o pacote Criação de Oportunidades, a principal bandeira do governo para reativar a economia. A obstrução deliberada de um plano de desenvolvimento nacional é um dos argumentos previstos na Constituição para o presidente deflagrar a Morte Cruzada.

Do outro lado, as organizações sociais, os movimentos indígenas e os sindicatos ameaçam reeditar os protestos de outubro de 2019 que quase derrubaram o governo do então presidente Lenín Moreno. Já há um protesto marcado para o próximo dia 26.

Em paralelo, também para desgastar o presidente, uma CPI começou a colher os testemunhos de mais de 40 pessoas convocadas a declarar sobre a investigação Pandora Papers. Foram convocados o próprio presidente, a sua esposa e o seu filho.

A esposa e o filho já avisaram que não irão por não serem funcionários públicos. O presidente disse que aceita receber os membros da CPI no Palácio de Governo, mas no final da investigação que prevê concluir um relatório em 6 de novembro com a indicação ou não da destituição do Presidente Lasso.

Chile: processo de destituição fortalece extrema-direita

A região da Araucania, na Patagônia chilena, entrou em "estado de exceção" há dez dias, mas o tiro saiu pela culatra, beneficiando a extrema-direita, do candidato José Antonio Kast.

"Afiançou a ideia de um governo de direita que quer impor severidade. Tem um impacto eleitoral porque coloca a direita com certos níveis de autoritarismo. A medida define a direita chilena como um elemento de mão-dura e esse perfil encaixa-se mais com o candidato Kast", explica à RFI o cientista político Carlos Meléndez, da Universidade Diego Portales do Chile.

A acusação contra o presidente chileno, Sebastián Piñera, na investigação Pandora Papers eliminou a possibilidade de vitória do candidato da coligação governista nas presidenciais de 21 de novembro, conduzindo a uma polarização inédita desde o regresso do regime democrático em 1990.

Nos últimos 31 anos, o Chile teve governos moderados, oscilando entre a centro-esquerda e a centro-direita. O processo de destituição rompeu com essa lógica, elevando os extremos políticos.

Os eleitores da coligação governista migram agora para apoiar outro candidato, de fora da coligação. Kast vem da ala mais extrema da direita chilena e representa o fim de um movimento de renovação, pelo lado da moderação, que a direita chilena tinha iniciado.

"O pedido de destituição do Presidente Sebastián Piñera afunda a candidatura de Sebastián Sichel pela coligação governista. Com isso, essa direita moderada cede lugar a uma extrema-direita que absorve esse eleitorado, agora órfão. Estamos diante de um Chile de jogadores nos extremos", aponta Meléndez.

Segundo a mais recente sondagem da consultora Cadem do dia 17, a extrema-direita de José Antonio Kast tem 21% das intenções de voto, enquanto a extrema-esquerda de Gabriel Boric aparece com 20%.

Destituição não é improvável

A votação do processo de destituição na Câmara de Deputados, prevista para antes das eleições de 21 de novembro, requer apenas uma maioria simples. Se passar, seguirá ao Senado, onde são necessários dois terços dos votos. Nas duas Câmaras, a oposição é majoritária. A destituição já não é um cenário improvável.

Ao contrário do presidente do Equador, o presidente chileno tem cerca de 15% de popularidade. É um presidente impopular e no final do mandato.

"Na Câmara de Deputados, a acusação provavelmente será aprovada porque requer maioria simples e há maioria opositora. No Senado, é mais difícil. Porém, o presidente tem uma aprovação tão baixa que resulta mais fácil acusá-lo do que salvá-lo", avalia Patricio Navia.

Se a acusação passar pela Câmara de Deputados e polarizar no Senado, o apoio ao candidato da extrema direita pode ser ainda mais alto para conter o avanço da esquerda.

"O processo de destituição, neste momento, alimenta a candidatura de Kast. Enquanto a esquerda de Boric se radicalizar, vai gerar ainda mais apoio para a direita. É como o fenômeno Bolsonaro na corrida presidencial brasileira de 2018", compara Navia.

Segundo a sondagem Pulso Cidadão, sete de cada dez chilenos são a favor da destituição do presidente Sebastián Piñera.

República Dominicana sem avanços

Na América Latina, além dos presidentes do Equador e do Chile, foi citado na investigação Pandora Papers o presidente da República Dominicana, Luis Abinader.

"Na República Dominicana, o sistema judiciário não é tão independente do poder político. Não há força institucional para empurrar esta investigação. O escândalo na República Dominicana é superior ao do Chile e do Equador, mas não há uma sociedade civil suficientemente forte nem uma imprensa suficientemente independente", conclui Navia.