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"Maradona tinha compulsão por sexo e vício por drogas mais forte que paixão pela bola"

28/11/2021 15h35

No primeiro aniversário da morte de Diego Armando Maradona, o livro "A Saúde de Diego, a verdadeira história", analisa a trajetória de Maradona, através do ponto de vista médico. O seu autor, Nelson Castro, é um caso raro de jornalista, analista político e médico neurologista.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Este é o segundo livro de Castro em 2021, depois de outro sucesso: "A Saúde dos Papas", um projeto sugerido pelo papa Francisco a partir de outro livro de Castro, "Enfermos de Poder". Desta vez, o escritor contou com a ajuda de dois jornalistas de investigação, Juan Manuel Lombardero e Pablo Corso, para descobrir que Maradona foi enterrado sem o coração e que uma torcida organizada planejou roubá-lo.

Em entrevista exclusiva à RFI, Nelson Castro explica como a construção de um grande jogador de futebol aconteceu em paralelo com a autodestruição do homem, viciado em tudo, até em sexo.

O livro está organizado em ordem cronológica e baseia-se em documentação e revelações dos médicos que Maradona teve ao longo da carreira. "Havia um duelo entre o futebol e as drogas dentro de Maradona. O futebol continha os vícios até que o jogador deixou os gramados, permitindo que o vício ganhasse essa partida", resume o autor.

Leia os principais trechos da entrevista:

Como começa a preocupação com a saúde de Maradona?

Começa ainda na infância. A família Maradona tinha muitas carências. A mãe sabia que ele tinha necessidade de uma boa alimentação. Era consciente de que ele precisava de proteínas. Então, ela comprava o mais barato que podia conseguir: coração de boi e ubre (teta de vaca) para que Maradona fosse bem alimentado. Fazia esse esforço para que ele se alimentasse de uma maneira diferente do resto da família. Isso foi fundamental no curso da sua vida.

Já no Argentinos Juniors, seu primeiro clube, qual foi o maior desafio?

Nessa época, eu era jornalista esportivo e fui um dos primeiros a entrevistar Maradona, em 1974. Ele era um fenômeno, mas tinha a necessidade de desenvolver o seu corpo. Ele gostava muito de treinar e conseguiu desenvolver um organismo bem resistente, graças a essa dedicação. Sem dúvida, ele tinha uma genética privilegiada. Não apenas o talento e a habilidade, mas também a resistência física. Porém, essa genética era contrastante: nela também convivia esse código de vícios que o perseguiu durante toda a sua vida.

Quando aparece a droga na vida de Maradona?

Nesse ponto, há duas versões. Uma é a do ex-jogador e colega de Maradona, Carlos Fren, que entrevistamos para o livro. Fren afirma que, já em 1981, Maradona se drogava. Ele sabe quem lhe fornecia a droga, mas não revela nem o nome nem a droga. A outra versão é de Maradona, publicada na sua biografia "El Diego de la Gente" (O Diego do Povo), que diz que começou a se drogar em Barcelona por volta de 1983.

Maradona era viciado em quê?

Era viciado em tudo. Foi viciado em cocaína, em álcool, em comida, em tabaco, em sexo, em maconha, em tudo. Infelizmente, ele não teve a capacidade, nem sequer a vontade de enfrentá-los.

Como se mede que uma pessoa seja viciada em sexo?

Maradona tinha uma compulsão incontrolável pelo sexo e pelo sexo sem proteção. Tinha uma potência sexual impressionante e sempre sem nenhum cuidado. Não temos um conhecimento cabal de quantos filhos ele teve (até agora, há cinco filhos oficialmente reconhecidos com quatro mulheres; outros três que procuram o reconhecimento através da Justiça). 

O sexo, para ele, era algo irrefreável. Uma pessoa pode ter desejo sexual todos os dias, mas determinadas circunstâncias impedem que se faça sexo por vários motivos. No caso de Maradona, ele queria fazer sexo às três ou às oito da manhã. Era uma compulsão, um elemento próprio do vício. E essa compulsão transformou a sua conduta de uma maneira destrutiva. Tanto que, pelos casos que teve fora do casamento, ele destruiu a relação com Claudia Maradona, quem mais cuidava dele.

Havia sexo na concentração da seleção argentina?

A compulsão pelo sexo estava presente o tempo todo. Na Copa do Mundo da África do Sul (2010), existem relatos que contam a necessidade sexual de Maradona, a ponto de ele deixar a concentração de madrugada para ter sexo. Isso era um verdadeiro problema. Por isso, se nós olharmos toda a rotina da seleção naquela Copa, vamos ver que Maradona só aparecia nos treinamentos a partir das 13 horas.

Como o atleta Maradona convivia em contraste com o viciado Maradona?

Vemos a construção de um grande jogador em paralelo ao de uma pessoa propensa ao vício. Mesmo tendo essa paixão, Maradona não conseguiu evitar cair nas drogas. O vício foi mais forte do que essa paixão. O futebol funcionava como uma barreira de contenção contra o vício. Ele se drogava, claro, mas o futebol o continha. O futebol era a ordem, o controle. Os vícios eram a desordem, o descontrole.

Quando Maradona deixou o futebol (1997), essa contenção desapareceu. A ausência dessa barreira foi um verdadeiro problema na vida futura do Maradona. No jogo da vida, quem ganhou foi o vício. E, devido ao vício, Maradona deixou o futebol mais cedo. Ele tinha um físico extraordinário. Poderia ter jogado até os 40 anos.

As drogas beneficiaram a criatividade dele em campo?

As drogas não foram positivas. A reação do Maradona com as drogas era negativa. Ele ficava totalmente pensativo, triste, sozinho, praticamente sem movimento. Podia passar um bom tempo isolado, até em posição fetal. Não tinha nenhuma euforia depois de consumir drogas. Muito pelo contrário.

Como era o cérebro dele? Sempre disseram que ele tinha uma velocidade de raciocínio superior.

Sim, ele tinha uma rapidez de pensamento. Você podia ver, quando ele estava bem, pelas suas respostas mentalmente rápidas. Ele podia ter tido outra vida.

Nos últimos anos, ele arrastava as palavras ao falar. Não havia uma oração em que não gaguejasse. Por que acontecia isso?

Isso era consequência da medicação que ele tomava. Alguns falam de um dano cerebral, mas nunca foi um assunto conclusivo. Nas tomografias, não apareciam danos significativos. A medicação psiquiátrica que ele tomava era muito forte. São doses altas que produzem esses efeitos colaterais.

Maradona era tratado pelos torcedores como um deus do futebol. Essa sensação de estar acima de tudo pode ter acentuado a entrega ao vício?

Maradona pensava que era uma pessoa sem limites. Ele pensava que era onipotente, que estava acima de tudo. Todos os reis, os presidentes, os atores gostavam dele. Então, ele pensava que era o centro do mundo. Isso foi um problema para todos os tratamentos que os seus médicos tentaram. Foi tudo absolutamente negativo para a disciplina, para o controle e para os limites que ele precisava. Maradona foi um paciente difícil. Quando você acredita que está acima de todas as normas e que pode fazer qualquer coisa, perde o limite. Maradona achava que nada lhe era impossível.

Sempre se falou que as companhias ao redor de Maradona não cuidavam dele. Quanto disso é verdade?

O núcleo de pessoas que conviviam com Maradona era responsabilidade dele. Ele escolhia com quem andar. E os escolhia para continuar a se drogar, para que não lhe pusessem limites. Isso o afastou da sua família, da sua esposa e até mesmo das suas filhas. Esse núcleo familiar fez muito para contê-lo, para evitar que consumisse [drogas], mas ele escolhia aqueles que não o limitassem.

Maradona nunca aceitou um tratamento sério. Houve episódios. Quando foi a Cuba, pela segunda vez, realmente se tratou, mas depois abandonou. Um viciado não se cura nunca. Estará em recuperação para o resto da vida. Ele não aceitava entrar em tratamentos de recuperação. Era um paciente rebelde.

A impressão que se tem é que as pessoas que o cercavam estavam com ele para fazerem negócios; não para cuidar dele... Sim, isso se nota. Por isso, estão agora em disputas judiciais. Maradona era uma mina de ouro.

Ele nunca parou de se drogar?

Houve intervalos. Parar mesmo, nunca parou. Num determinado momento, ele trocou a cocaína pelo álcool, que foi também destrutivo. O bypass gástrico faz com que o álcool se absorva mais rapidamente no organismo. Portanto, com pouca quantidade de álcool, Maradona já se intoxicava.

O episódio de janeiro de 2000, em Punta del Este, no Uruguai, foi o primeiro sinal de alerta?

Esse episódio revelou que Maradona tinha um coração doente. Ninguem, até então, sabia disso. Ele esteve a ponto de falecer como consequência de uma overdose, principalmente de cocaína associada com medicamentos. Foi uma situação dramática. Foi um aviso muito importante porque a partir dali a vida de Maradona mudou. Para o livro, nós tivemos a possibilidade de conversar com os médicos que o atenderam. Nenhum deles tinha falado sobre isso até agora. A situação do coração de Maradona era realmente terrível, quase terminal. Uma cardiomiopatia dilatada reversível. Ele se salvou por milagre, mas esse milagre não se repetiu 20 anos depois, quando o seu coração disse "chega!".

20 anos depois, qual foi o erro que sentenciou Maradona à morte?

O último episódio de Maradona foi realmente dramático. Uma das coisas que revelamos no livro é que, na última internação, Maradona ficou em terapia intensiva sempre. Isso demonstra que era um paciente delicado, que precisava ser controlado, mas foi retirado da terapia intensiva e levado para essa casa, onde os cuidados eram absolutamente menores e improvisados. Não era um lugar de internação domiciliar.

Essa decisão foi um erro de critério médico que terminou sendo fatal para Maradona. Inacreditavelmente, os médicos, mas também a família, decidiram retirá-lo.

O que o levou à morte foi não ficar internado?

Se tivesse ficado internado, teria tido mais uma chance. Não podemos saber os resultados, mas teria tido uma chance porque teriam percebido 48 ou 24 horas antes que ele estava num quadro de descompensação cardíaca. Se tivessem tratado isso, teriam dado mais uma chance a Maradona. Existia a chance de ser tratado daquilo que o levou à morte.

O senhor revela no livro que Maradona foi enterrado sem o coração. Por quê?

Ele foi enterrado sem o coração porque era necessário analisá-lo para a autópsia e porque as autoridades policiais souberam que havia um grupo de torcedores organizados do Gimnasia y Esgrima La Plata [onde Maradona era técnico] com o plano de roubar o coração de Maradona. O coração está preservado em formol e sob vigilância policial.

Qual é a sua sensação ao terminar o livro?

Um sentimento de tristeza. Um homem com um dom fenomenal para jogar futebol, que maravilhou o mundo e que se autodestruiu. O sentimento que me gera é o de tristeza.