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Novo governo alemão e o desafio da pandemia dos 'não-vacinados'

27.set.2021 - Olaf Scholz  faze uma declaração à imprensa na sede do partido em Berlim, um dia após as eleições gerais - Odd Andersen/AFP
27.set.2021 - Olaf Scholz faze uma declaração à imprensa na sede do partido em Berlim, um dia após as eleições gerais Imagem: Odd Andersen/AFP

Flávio Aguiar

Analista político

29/11/2021 07h41Atualizada em 29/11/2021 08h37

Neste começo da semana que se abre para o mês de dezembro, a nota dominante do noticiário político europeu deveria voltar-se para a esperada formação do novo governo alemão, a ser liderado pelo social-democrata Olaf Scholz.

Os futuros governantes têm planos ambiciosos. Prometem ações que vão desde enfrentar o aquecimento global até o aumento do salário mínimo, passando pela legalização do uso recreativo da maconha. Mas tudo depende de conseguirem acomodar, internamente, forças tão díspares como o Freie Demokratische Partei, o FDP na sigla alemã (Partido Democrático Liberal, em português), descrito como "pró-mercado", e o Partido Verde, descrito como "pró-meio-ambiente", sob a liderança do Partido Social-Democrata do novo chanceler.

As negociações para chegar a um acordo tomaram todo o mês de outubro e quase todo o de novembro, de tão complicadas que foram. E introduziram um fato inesperado na tradicional política alemã: durante o processo, que ocupou mais de duas dezenas de equipes temáticas, o número de informações vazadas para a mídia foi próximo a zero, com exceção de retratos sorridentes dos líderes partidários e declarações abstratas de que "tudo corria bem".

Entretanto, o anúncio do acordo para formar o governo foi literalmente atropelado pelo agravamento dramático da quarta onda da pandemia de coronavírus, que é descrita, também, como quinta onda na França. Os líderes do governo a ser empossado anunciaram a formação de uma equipe especial para enfrentar a pandemia e a liberação de 1 bilhão de euros para a área da saúde. O ministério da área ficará com o SPD.

Mas a nova onda da pandemia, agora capitaneada pela descoberta de uma nova variante - ômicron - extremamente agressiva, que já aterrissou na Europa e vai se espalhando pelo continente, inclusive na Alemanha - exige, segundo a maioria dos especialistas, medidas imediatas, rigorosas e contundentes para sua contenção.

Aqui começam a aparecer as virtudes e as dificuldades da política alemã. Toda ela, desde o fim da Segunda Guerra no ex-lado Ocidental, e em todo o país depois da reunificação, é pautada pela descentralização de muitas das decisões, inclusive na área da saúde. E essa característica - frequentemente louvada num país que enfrentou a brutal centralização do nazismo e depois do regime comunista na ex-Alemanha Oriental - vem atrapalhando uma resposta eficaz para a pandemia.

A situação alemã não é das piores, frente ao que vem acontecendo em países do Leste europeu, como Romênia, Hungria, Eslovênia, Eslováquia, República Tcheca e outras, ou mesmo em países como a Bélgica e a Holanda, mas é suficientemente ruim para que a chanceler, Angela Merkel, a qualifique de "dramática". Em muitas regiões a capacidade hospitalar já está esgotada. Pacientes já foram transferidos para hospitais italianos, por exemplo.

Pandemia dos não-vacinados

A atual onda vem sendo caracterizada como "a pandemia dos não-vacinados". A Alemanha está entre os países com um alto índice de não-vacinados: 20,8% de sua população, cifra igual à da vizinha Áustria e um pouco menor do que a da Suíça (23%). E este percentual cresce à medida em que se vai para o Leste do Velho Continente.

Há diferentes tipos de resistência, mas o maior número dos resistentes consiste em pessoas que votam com a extrema-direita alemã no nível federal ou no regional. Ou seja: há um problema político a ser enfrentado.

Segundo os especialistas, não há tempo a perder. O atual ministro da Saúde alemão, Jens Spahn, deu uma declaração patética a respeito: "no fim do inverno os alemães estarão vacinados, curados ou mortos". O número destes últimos já passou dos 100 mil, num país de 85 milhões de habitantes. E as estatísticas de infectados pioram constantemente, dia após dia, semana após semana.

Como já disse, o novo governo tem planos ambiciosos, entre eles o de combinar o enfrentamento da crise climática e o desafio da mudança do padrão energético do país para diminuir o consumo de fontes fósseis, bandeiras caras aos Verdes, e o aumento do salário mínimo, reivindicação antiga do SPD, com uma contenção austera de despesas públicas, exigida pelo FDP, cujo líder, Christian Lindner, ocupará o ministério das Finanças. Mas estes e outros planos podem ir por água abaixo se ele não tiver uma ação concertada e efetiva no enfrentamento imediato da pandemia, o que deve envolver, necessariamente, rigor nas medidas sanitárias e uma campanha nacional para a elevação do percentual de vacinados.

Do sucesso deste novo governo depende a estabilidade do continente, pois a Alemanha continua sendo o fiel da balança e o fio a prumo da União Europeia, num momento em que esta enfrenta contenciosos políticos e jurídicos com a Polônia e a Hungria, a leste, e a oeste uma relação conflituosa da França com o Reino Unido, que não pertence mais à União, além de ter de se equilibrar em meio às disputas entre Estados Unidos, Rússia e China.