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"O terrorismo é um método de comunicação brutal para disseminar medo", diz geógrafo francês

29/11/2021 13h44

A tomada de Cabul pelo Talibã, em 15 de agosto de 2021, foi um grande evento geopolítico acompanhado no mundo todo. Porém, as consequências a curto e médio prazo ainda são imprevisíveis, como explica à RFI o geógrafo Hervé Théry, autor de uma pesquisa que incluiu a confecção de mapas do terrorismo.

O professor do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França e da USP explica os impactos da derrota imposta aos Estados Unidos no Afeganistão, após vinte anos de guerra contra o jihadismo.

"Para a coalizão internacional, especialmente para os Estados Unidos, é uma grande derrota terem sido expulsos depois de gastarem bilhões de dólares no Afeganistão. Mas numa perspectiva histórica, eles não são os primeiros. Há séculos, os afegãos têm conseguido se livrar de todos que tentaram ocupar o país, como os britânicos e os russos", explica Hervé Théry.

Insurreição ou resistência

Em parceria com Daniel Dory, o pesquisador reuniu em forma de desenho dados geoestratégicos e científicos do conflito, ou seja, mapas que permitissem tirar lições das condições que tornaram este resultado possível para o Talibã. "Nós fizemos um estudo de espaço-tempo do terrorismo. E quanto mais você analisa os dados disponíveis, mais você nota que ele acontece em períodos e lugares diferentes", diz.

"Nós marcamos no mapa do Afeganistão os locais onde houve atentados violentos com mortos, destacando o que é terrorismo, ou seja, quando você ataca uma mesquita ou uma maternidade. Porém, o Talibã fez, principalmente, ataques à polícia, ao exército e ao governo, que alguns até poderiam chamar de insurreição ou resistência", contextualiza. "Ou seja, no caso do Talibã, é uma tentativa de recuperar o seu território, enquanto outros grupos, como o Estado Islâmico, fazem terrorismo", completa. "O uso dos mapas como método de pesquisa mostrou coisas que ninguém tinha mostrado ainda".  

Novos ataques

Quanto ao futuro, Hervé Théry escreve que o recurso ao terrorismo no Afeganistão é algo previsível a curto e médio prazo. "Eu não gostaria de ser profeta de mau agouro, mas vai acontecer, certamente. Fizemos um estudo sobre o Sahel e poucos dias depois houve um atentado com 60 mortos exatamente os apontamos", relata. "Espero que os militares não dependam dos nossos mapas. Mas alguns países se interessaram. Isso ajuda a saber o que vai acontecer e onde. E é claro que os jihadistas que voltam para a Europa não voltam com ânimo pacífico", alerta.

A pesquisa traz dados que podem servir de base para o desenvolvimento de novos estudos para compreender o papel do terrorismo na guerra afegã, iniciada em 2001. "No plano interno, a pesquisa mostrou que os talibãs fizeram essa guerra para controlar o país, mas hoje eles são atacados, principalmente pelo Estado Islâmico", observa Théry.

O autor explica que "o Jihad é uma guerra religiosa que acontece no mundo inteiro. O Estado Islâmico faz isso no Afeganistão, no Paquistão, na França e em outros lugares. Já os talibãs fizeram uma guerra nacionalista de libertação, então nem podemos chamá-los de jihadistas", explica.

O trabalho de cartografia usou como base reportagens da imprensa e dados do Global Terrorism Database (GTD), cuja cobertura teve início em 1973.  "Essa base de dados que estamos usando existe desde os anos 1970 e começamos a olhar todos os atentados, não só jihadistas, mas também ataques do grupo terrorista ETA. A partir da localização, dá para destrinchar as táticas usadas", analisa.

Apesar da ameaça terrorista pairar sobre muitos países, Hervé Théry diz que isso não deveria provocar medo no Ocidente. "Medo é exatamente o que eles querem. O terrorismo é um método de comunicação brutal para disseminar medo. Acho que não podemos ceder a isso e devemos ficar muito cautelosos", conclui.