Topo

Macron alerta para manipulação de fatos históricos em Vichy, sede do regime que colaborou com nazistas na França

08/12/2021 15h58

O fenômeno não é novo. Em 2016, um alto conselheiro de Donald Trump negou a existência de fornos crematórios nos campos de extermínio nazistas. No Brasil, Jair Bolsonaro mais de uma vez responsabilizou os negros pela escravidão. A manipulação de fatos históricos parece ser, mais do que mera coincidência, uma estratégia política para candidatos e mandatários da extrema direita. Mas quando o candidato à presidência francesa Éric Zemmour disse que o "regime de Vichy protegeu judeus", Emmanuel Macron decidiu reagir.  

O termo "revisionismo histórico", pouco utilizado no Brasil, serve para determinar na França um crime previsto pela Constituição: a manipulação de fatos históricos, com o objetivo de instrumentalizá-los, considerado um "insulto à memória". Também conhecido como negacionismo, o revisionismo parece ter sido incorporado ao discurso da extrema direita nos quatros cantos do planeta, uma tendência ideológica que se outourga o direito a manobrar o passado conforme lhe apetece.

Na França, o revisionismo descomplexado tem atualmente nome e sobrenome: Éric Zemmour. O candidato de extrema direita foi acusado de "revisionismo" por muitos historiadores e sobreviventes do Holocausto na França, após fazer comentários com o objetivo de "reabilitar" o marechal Pétain, um célébre herói da Primeira Guerra Mundial, que manchou sua reputação e se tornou um pária na França após liderar o regime que colaborou com os nazistas durante a Ocupação em território francês, responsável por deportar centenas de milhares de judeus para os campos de extermínio de Hitler na Alemanha.

No livro "O suicídio francês" (tradução livre, 2014, Albin Michel), Zemmour escreve que Philippe Pétain "salvou judeus franceses ao entregar judeus estrangeiros", retomando a tese, negada pela maioria dos historiadores, que consiste em apresentar Pétain como "escudo" da França."Eu digo que Vichy protegeu os judeus franceses e deu os judeus estrangeiros", repetiu Eric Zemmour recentemente.

Em 1995, o presidente conservador Jacques Chirac reconheceu, pela primeira vez e em um discurso histórico, a responsabilidade do Estado francês na deportação de 76 mil judeus para os campos de extermínio. Nesta quarta-feira (8), o presidente francês Emmanuel Macron aproveitou um giro pelo interior da França para passar pela cidade de Vichy e fazer um apelo contra todos aqueles que tentam "manipular a História".

"Vichy nos remete a uma História"

"Vichy nos remete a uma História. Nós vivemos essa História, ela é escrita por historiadores", disse o presidente francês. "Tenhamos cuidado para não manipulá-la e revivê-la", completou.

Em vez de negar "a verdade historiográfica", o chefe de Estado francês explicou que preferia "olhar para o futuro" da cidade. Mas também que pretendia "saudar a coragem dos 80 parlamentares que, em Vichy, se opuseram ao que era o espírito de derrota e disseram não", recusando-se a dotar o marechal Pétain de plenos poderes em junho de 1940. Macron também rezou em frente ao monumento em memória dos judeus deportados de Vichy.

Fatos, não "caprichos pessoais"

"Existem várias visões da história da França que se chocam hoje no debate público. A nossa é que o trabalho dos historiadores se baseia em fatos, em documentos, em pesquisas, e não em caprichos pessoais e vontades de instrumentalização política", acrescentou o porta-voz do governo francês, Gabriel Attal.

"Assumimos olhar a História nos olhos e lutar contra qualquer tentação de reescrever ou instrumentalizar", acrescentou Attal durante um comunicado de imprensa, à saída do Conselho de Ministros.

"Aqueles que apagam os crimes do passado de alguma forma justificam os do futuro e, em vez disso, devemos aprender com o passado em toda a sua complexidade, incluindo as páginas mais sombrias da nossa história", advertiu.

(Com AFP)