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ONU denuncia racismo em Portugal: "identidade do país ainda está atrelada ao passado colonial"

08/12/2021 13h33

Um grupo de peritos das Nações Unidas denunciou as situações de racismo sistêmico presentes em Portugal. A constatação é fruto de um estudo feito no país e que apontou que a identidade nacional ainda está atrelada a seu passado colonial, o que explicaria a discriminação sofrida pelas pessoas de origem africana que vivem em solo português.  

"A identidade portuguesa continua sendo definida por seu passado colonial, assim como a escravidão e o tráfico de africanos", resumiu em um comunicado Dominique Day, responsável pelo grupo de trabalho da ONU sobre pessoas de ascendência africana. Ela encabeçou uma missão organizada em Portugal, entre novembro e dezembro deste ano, que ouviu "vários testemunhos" denunciando violências raciais, principalmente por parte da polícia.

O grupo disse ter ficado "surpreendido com o número e a dimensão de relatos críveis sobre brutalidade policial". Dominique Day foi informada sobre diversos casos de abuso de autoridade, principalmente em bairros que concentram populações de origem africana, que são submetidas a revistas, muitas vezes violentas, que quase sempre ficam impunes.

A ativista e especialista em direitos humanos Catherine Namakula, que também fez parte da delegação da ONU, insistiu, ao divulgar os resultados da pesquisa, que o passado colonial de Portugal ainda está presente no dia a dia. A pesquisadora salientou que isso se sente no uso de insultos racistas em espaços públicos. Segundo ela, essa permanência "não corresponde às normas de um país que se diz aberto e progressista".

Em entrevista à Rádio ONU, Dominique Day disse ainda que Portugal tem o que classificou como "uma narrativa colonial tóxica" e que para haver mudanças, é preciso reconhecer o "papel poderoso que o país teve na construção social de raça". Para ela, apesar de o país acolher migrantes e de haver uma diversidade em seu território, Portugal ainda tem que progredir muito sobre a sua abordagem da questão racial.

Rever ensino da História e reconhecer comércio de escravos

As primeiras conclusões após essa missão, assim como uma lista de 40 recomendações, foram apresentadas pelos peritos esta semana em Lisboa. Uma das prioridades, segundo o grupo, é a implementação de investigações independentes sobre casos de violência policial.

Mas os especialistas chamaram a atenção para a necessidade de revisão do currículo escolar e do material pedagógico. Segundo eles, é preciso mudar a maneira de ensinar História e, principalmente, o passado colonial português, reconhecendo o tráfico e o comércio de escravos, assim como a contribuição dos afrodescendentes para a construção de Portugal, seu desenvolvimento e diversidade. Isso evitaria "a narrativa apologista e negacionista em torno do colonialismo", que ainda reina no país.

Esse tema tem ganhado cada vez mais espaço no debate político português. Principalmente após a extrema direita ter avançado nas últimas eleições, após 45 anos de democracia no país e alguns episódios de racismo explícito que chocaram a opinião pública. Como em 2020, quando o deputado André Ventura insinuou que Joacine Katar Moreira, uma parlamentar negra nascida em Guiné Bissau, ex-colônia portuguesa no continente africano, fosse "devolvida para seu país de origem".