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Francês que atuou na contraespionagem denuncia abusos do Pegasus e de apps espiões

24/01/2022 13h55

O francês Guilhem Giraud, engenheiro em telecomunicações, passou 25 anos de sua vida atuando no setor da espionagem. Mas depois que o consórcio investigativo Forbidden Stories revelou que o software israelense Pegasus, criado pelo NSO Group, era utilizado para espionar jornalistas, militantes de direitos humanos, opositores, ministros e chefes de Estado, ele decidiu "sair do armário", como gosta de dizer. Aos 47 anos, Giraud denuncia os abusos dessa indústria opaca ao jornal Libération.

O francês Guilhem Giraud, engenheiro em telecomunicações, passou 25 anos de sua vida atuando no setor da espionagem. Mas depois que o consórcio investigativo Forbidden Stories revelou que o software israelense Pegasus, criado pelo NSO Group, era utilizado para espionar jornalistas, militantes de direitos humanos, opositores, ministros e chefes de Estado, ele decidiu "sair do armário", como gosta de dizer. Aos 47 anos, Giraud denuncia os abusos dessa indústria opaca ao jornal Libération.

Nos primeiros anos da carreira, Giraud foi funcionário do serviço de contraespionagem francês, conhecido pela sigla DST - Diréction de surveillance du territoire (Direção de vigilância do território, em português). Depois, passou para a iniciativa privada. Ele compara o Pegasus e softwares espiões semelhantes a armas nucleares "pelo grau de devastação que podem causar aos seres humanos e à vida em sociedade. 

O Pegasus é um aplicativo capaz de aspirar o conteúdo de celulares à distância e permite que seus operadores tenham acesso a mensagens, fotos e e-mails secretamente, escutem chamadas e ativem microfones e câmeras.

Carlos Bolsonaro já tentou comprar o aplicativo desenvolvido em Israel para usar contra os opositores do pai. Recentemente, o filho 02 do presidente Jair Bolsonaro se interessou por outro software espião para usar na campanha eleitoral, o DarkMatter.  

Segundo Guilhem Giraud, até pouco tempo "as práticas de monitoramento dos Estados ainda eram razoáveis". Mas com o avanço das novas tecnologias, tudo mudou. Em 2008, cansado da vida em Paris, ele aceitou uma oferta de emprego no sul da França, para trabalhar na empresa Amesys, que desenvolveu um sistema de monitoramento de telecomunicações chamado Eagle. Desse momento em diante, o engenheiro passou a ter questionamentos éticos. 

O Eagle é um sistema que usa sondas instaladas na rede de telefonia para escanear todo o tráfego de internet. A tecnologia pode ser usada na escala de um país. O produto foi vendido à Líbia dois anos antes da contratação de Giraud na Amesys. A negociação envolveu o diretor da empresa e o chefe da inteligência do ex-ditador líbio Muammar Kadhafi. 

Anos mais tarde, a imprensa francesa denunciou que o Eagle era associado a casos de tortura e outras atrocidades na Líbia. Por sua vez, o polo de crimes contra a humanidade e crimes de guerra do Tribunal de Paris abriu uma investigação em 2012 sobre as atividades da Amesys, por suspeita de cumplicidade em atos de tortura e outros crimes bárbaros. A investigação está em curso até hoje.

"É só colocar dinheiro na mesa"

Giraud acabou deixando a Amesys e foi sondado para trabalhar para o grupo israelense NSO, inventor do Pegasus. O engenheiro diz que não aceitou a proposta e justificou suas razões. "Com o Pegasus, basta colocar 10 milhões sobre a mesa para invadir um celular e recuperar todas as mensagens etc. Pode parecer um sonho para a inteligência, mas é muito perigoso. Esses sistemas podem ser devastadores para as sociedades, são capazes de destruir tudo."

O francês acabou aceitando um convite para atuar como consultor de um país do Golfo, que ele prefere não revelar na entrevista ao Libération. Agora, com o passar dos anos, e as mudanças ocorridas nesse mercado, Giraud decidiu mudar de lado. 

Para Gilhem Giraud, esse tipo de tecnologia constitui uma ameaça à sobrevivência das democracias ocidentais. Ele chegou a pensar em criar uma "agência de notação ética", para distribuir notas baixas a governos autoritários ou que abusem de práticas intrusivas. A ideia não deu certo. Por enquanto, ele fundou uma empresa para propor serviços à polícia.