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Portugal enfrenta fantasma da estagnação econômica e crise da dívida

02/02/2022 11h14

Mais de 10 anos depois de Lisboa receber ajuda para sair do buraco, Portugal vive um contexto de lenta recuperação da pandemia e inflação alta no mundo - o que, em países com elevado índice endividamento, pode levar a uma crise da dívida soberana. Com maioria no Parlamento, este é um desafio para o novo governo do socialista António Costa.

O PIB per capita despencou 11 posições no ranking internacional do FMI, de 2000 a 2011, quando estourou a crise da dívida portuguesa. O problema é que, desde então, o país não voltou realmente a crescer. Pelo contrário - nas suas previsões mundiais, o fundo antecipa que Portugal deve permanecer a 46a economia mundial até 2026, atrás de países como Taiwan e Lituânia. O crescimento médio de menos 1% de 2001 a 2020 representa um dos desempenhos mais fracos dentro da zona do euro.

"Os governos de António Costa realizaram, com bastante êxito, dois objetivos urgentes, críticos: a recuperação da economia depois da austeridade e, agora, o êxito da gestão da pandemia. Eu acredito que é possível o governo agir com energias renovadas para resolver logo muitos problemas, como as pressões de curto prazo, imediatas, para manter a economia a funcionar", avalia o professor de Economia José Reis, da Universidade de Coimbra.

Baixos salários e empregos ruins

A pandemia de coronavírus, num país em que o turismo representa 19% das riquezas, tornou o desafio mais difícil. Alguns dos problemas estruturais da economia portuguesa são conhecidos há décadas. Fraca qualificação da mão de obra, baixa produtividade, salários achatados, que levam a uma fuga de cérebros crônica. Ao mesmo tempo, o pouco investimento público, resultado de uma economia encurralada pelo peso dos juros, não ajuda o país a se aquecer - em 2020, o investimento representou apenas 2,2% do PIB nacional.

"Nos últimos anos, a economia se recuperou graças a atividades econômicas de baixos salários, de má qualidade de emprego e de pouca criação de riquezas", constata Reis. "Portugal tinha se superespecializado no turismo, uma atividade que não cria riquezas na proporção devida, tampouco bons empregos. Isso não é saudável, em uma economia."

A alta da inflação leva os bancos centrais mundo afora a subirem os juros para conter o aumento dos preços - o que significa crédito mais caro, inclusive para os títulos da dívida pública. No caso português, a dívida pública se eleva a 130% do PIB.

No último relatório de Riscos Globais de 2022 revelado pelo Fórum Económico Mundial, em janeiro, o risco de estagnação econômica apareceu em primeiro lugar nas respostas dos empresários portugueses, seguido pelo de crise de dívida soberana.

"É evidente que, numa economia e uma sociedade que têm um tal nível de endividamento no exterior, o disparo da inflação é problemático, sobretudo se o Banco Central Europeu, que num dado momento assumiu o papel de governo da Europa, não continuar a sua política ativa - que, creio, vai continuar. Mas este, indiscutivelmente, é um assunto que não pode ser minimizado", afirma o professor da Universidade de Coimbra.

Desafios

Ao mesmo tempo, a pandemia forçou os portugueses a pouparem e, agora, o consumo, as exportações e a construção ajudam a puxar a retomada econômica. A demanda reprimida levou o PIB do país a crescer 4,9% em 2021, o maior índice em mais de 30 anos e acima das expectativas, após o tombo de -8,4% no ano do surgimento da Covid-19.

O professor ressalta que um dos maiores desafios de Costa será manter a cadeia de serviços públicos no país, que se encontram sob pressão de privatizações.

"A estrutura de rendimentos em Portugal é demasiado frágil para que não se crie uma enorme injustiça social e não se aprofundem desigualdades na sociedade portuguesa, se não houver um papel dos serviços públicos principalmente na saúde e na educação, mas também na aposentadoria e políticas de apoio ao trabalho em geral", sublinha o pesquisador.

Após o fim da chamada troika - como foi apelidada a supervisão do FMI, do Banco Central Europeu e da União Europeia no país, em troca do resgate de 78 bilhões de euros à economia portuguesa -, Lisboa foi capaz de se tornar um spot de empresas de tecnologia, atraindo startups e profissionais habituados ao trabalho em home office em companhias multinacionais. Alguns setores industriais, como o têxtil e automotivo, souberam voltar a ser competitivos, inclusive para marcas europeias, que trouxeram de volta a produção da Ásia para um país da Europa ocidental. Entretanto, esse dinamismo permaneceu limitado, no conjunto da estrutura produtiva do país.

"Não é o Web Summit nem os unicórnios da tecnologia que fazem a economia. É importante? É. Mas isso é uma gota d'água", contextualiza. "Portugal, desde a entrada na União Europeia, foi um país que teve algum dinamismo e pujança, mas depois iniciou uma forte desindustrialização. Onde estão os empresários que antes estavam na indústria? Estão agora em setores altamente protegidos pelo Estado, como o turismo. Estão na especulação imobiliária. Esse é um problema muito grave", lamenta Reis.

O Plano de Recuperação e Resiliência, implementado pelo premiê socialista num horizonte até 2026, visa combater essas anomalias, com um ciclo de reformas para reforçar o desenvolvimento do país e incentivar o investimento privado. O novo governo terá uma vantagem de peso para avançar no projeto: contará com maioria absoluta no Parlamento.