Topo

Guerra da Rússia-Ucrânia

Notícias do conflito entre Rússia e Ucrânia


Esse conteúdo é antigo

Após hesitação, Israel apoia Ucrânia na ONU, mas é criticado por condições para receber refugiados

13.jun.2021 - Primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, durante discurso em Jerusalém - Gil Cohen-Magen/AFP
13.jun.2021 - Primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, durante discurso em Jerusalém Imagem: Gil Cohen-Magen/AFP

Daniela Kresch

Da RFI, em Tel Aviv

03/03/2022 08h12Atualizada em 03/03/2022 08h33

Após alguma hesitação, Israel se posicionou claramente do lado da Ucrânia no conflito com a Rússia. Nesta quarta-feira (3), o país se uniu a outros 140 que apoiaram a resolução da ONU "Agressão contra Ucrânia", adotada em uma Assembleia-Geral Extraordinária. O documento pede que Moscou retire imediatamente suas forças militares do território ucraniano, apela por um cessar-fogo, a um acesso sem entraves de ajuda humanitária e o retorno ao diálogo e à diplomacia.

O primeiro-ministro israelense, Naftali Bennet, inclusive, conversou por telefone com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, com o qual está em contato contínuo. Foi o segundo telefonema em cinco dias. Os dois já haviam conversado na sexta-feira (25), um dia depois da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Na primeira conversa, Bennett se ofereceu como possível mediador no conflito entre Rússia e Ucrânia, sugerindo até mesmo Jerusalém como lugar para negociações diplomáticas. Segundo analistas locais, a sugestão teria sido um dos motivos pelos quais o presidente russo, Vladimir Putin, teria aceitado iniciar negociações com os ucranianos, mesmo escolhendo a fronteira entre Belarus e Ucrânia como local para isso, não Jerusalém.

No telefonema desta quarta-feira, no entanto, Zelensky teria pedido uma ajuda mais concreta: o envio de ajuda militar, mas, até agora, Israel enviou apenas assistência humanitária em três aviões com 100 toneladas de equipamentos médicos e mantimentos.

Logo após o telefonema, Bennett ligou para Putin, com o qual também está em contato. Segundo a imprensa israelense, Putin voltou a dizer que a solução do conflito está em garantir a segurança do território russo, isto é: afastar a OTAN das fronteiras russas.

Após a conversa com Bennett, o presidente ucraniano Zelensky postou um apelo emocionado em hebraico aos israelenses e judeus de todo o mundo em sua conta no Telegram. "Apelo a todos os judeus do mundo - vocês não veem o que está acontecendo aqui? Gritem contra o assassinato de civis. Gritem o grito da morte dos ucranianos!", escreveu Zelensky.

Os motivos da hesitação de Israel

Os israelenses estão acompanhando de perto tudo o que acontece entre Rússia e Ucrânia e se sentem bastante envolvidos no assunto. Mas há motivos diplomáticos, geopolíticos e culturais para a hesitação inicial de Israel em escolher abertamente um lado no conflito.

Em termos diplomáticos, Israel se encontra em uma posição única, como um país que nutre um bom relacionamento tanto com os Estados Unidos - que apoia a Ucrânia - quanto com a Rússia. E não apenas isso: Israel tem interesses profundos nesses relacionamentos. No caso da aliança com os EUA, Israel depende do apoio financeiro, militar e diplomático americano.

Mas também precisa da Rússia, que é influente no Oriente Médio, principalmente na Síria. Sem os russos, Israel não teria a atual liberdade de atacar comboios de armas iranianas em solo sírio que tentam chegar ao Hezbollah, na fronteira com o Líbano.

Há alguns anos, a Força Aérea Israelense atua constantemente contra esses comboios sem que o governo sírio contra-ataque e o motivo é a influência russa sobre o governo de Damasco. A Rússia também é importante nas negociações das potências com o Irã, que Israel acompanha de perto.

Por tudo isso, antes da invasão russa, o primeiro-ministro de Israel ainda estava em cima do muro. Mas a posição israelense mudou totalmente após a invasão. O chanceler israelense, Yair Lapid, disse claramente que Israel apoia a Ucrânia e está "do lado certo da História".

E nesta quarta-feira, em encontro em Jerusalém com o chefe do governo alemão, Olaf Scholz, o premiê israelense Naftali Bennett disse que "o Estado de Israel está ao lado do povo da Ucrânia".

Polêmica sobre o acolhimento de refugiados

Outro motivo do dilema diplomático do governo israelense era o temor de retaliação contra comunidades judaicas, tanto na Ucrânia quanto na Rússia, caso Israel adotasse claramente algum lado. No caso da Ucrânia, há cerca de 50 mil judeus no país, mas pelo menos 200 mil ucranianos têm o direito de imigrar para Israel por possuírem algum avô ou avó judeus, como prevê a "Lei do Retorno", pela qual todo judeu no mundo pode receber imediatamente cidadania israelense.

Fora isso, havia 15 mil israelenses na Ucrânia, às vésperas da invasão russa, alguns deles estudantes árabes-israelenses, inclusive.

Há semanas, o governo israelense já havia apelado a seus cidadãos que saíssem da Ucrânia e sugerido aos ucranianos elegíveis para receber cidadania israelense que considerassem a ideia de imigrar para Israel. Representantes da chancelaria e de organizações judaicas foram enviados para postos de fronteira entre a Ucrânia e países vizinhos para assessorar candidatos à imigração.

A memória do Holocausto desempenha um papel importante, neste momento. Cerca de 1,5 milhão de judeus ucranianos foram mortos pelo regime nazista durante o Holocausto. E, após a Segunda Guerra, a perseguição a comunidades judaicas continuou na ex-União Soviética.

Tanto que, assim que o bloco se desmantelou, há pouco mais de 30 anos, nada menos do que 1,2 milhão de judeus russos e de países da ex-URSS imigraram para Israel. Hoje, eles e seus descendentes são cerca de 20% da população de Israel.

"Uma nação com misericórdia e humanidade"

Israel, no entanto, está dificultando a entrada ao país de refugiados ucranianos que não são judeus. Em entrevista coletiva nesta terça-feira, 1º de março, o embaixador da Ucrânia em Israel, Yevgen Kornichuk, afirmou que seu país está decepcionado "com o fato de o governo israelense não permitir a entrada no país de refugiados de guerra ucranianos".

Segundo ele, Israel recusou o pedido de dezenas de refugiados ucranianos que embarcaram de países vizinhos após fugirem da Ucrânia, enviando-os de volta aos países de origem dos voos, em vez de conceder asilo político.

O advogado israelense de origem ucraniana Alex Zernofolski, apelou, durante a coletiva, para que as autoridades israelenses "abram os corações" e provem que Israel é "uma nação com misericórdia e humanidade".

A Autoridade de População de Israel reconheceu que, de 300 ucranianos que chegaram ao país em busca de refúgios, 50 foram retornados à Europa, nos últimos dias. A autoridade emitiu diretrizes pelas quais os ucranianos que não têm parentes próximos em Israel só poderiam entrar mediante uma fiança de US$ 3 mil dólares por pessoa e após assinar um compromisso de que voltarão à Ucrânia, no fim da guerra.

Diante da reação negativa do público a essas condições, no entanto, a ministra do Interior, Ayelet Shaked, disse que todos poderão entrar, mesmo que com visto temporário de turista, e autoridades do governo afirmaram que as diretrizes devem ser revistas.