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Evolução de efeitos cerebrais da Covid-19 é imprevisível, diz brasileiro coautor de estudo da Oxford

22/03/2022 08h13

Várias pesquisas recentes sugerem que o SARS-Cov-2 pode afetar o funcionamento cerebral. Na primeira parte do programa Saúde em Dia dedicado a esse assunto, a RFI destaca um estudo divulgado no início de março pela Universidade de Oxford, publicado na revista científica Nature, que tem coautoria do cientista brasileiro Anderson Winkler.

Várias pesquisas recentes sugerem que o SARS-Cov-2 pode afetar o funcionamento cerebral. Na primeira parte do programa Saúde em Dia dedicado a esse assunto, a RFI destaca um estudo divulgado no início de março pela Universidade de Oxford, publicado na revista científica Nature, que tem coautoria do cientista brasileiro Anderson Winkler.

Taíssa Stivanin, da RFI

A pesquisa mostrou que uma infecção pela Covid-19 pode afetar as funções cognitivas, o sistema límbico, que gerencia as emoções, e a memória. Os cientistas constataram uma diminuição do volume cerebral e perda da massa cinzenta, avaliada entre 0,2 e 2% nos indivíduos, cerca de 4,5 meses após a contaminação. Uma das consequências desses danos seria uma redução da chamada função executiva, que tem, entre outros papéis, coordenar a capacidade de organização, adaptação, foco, tratamento das informações, encadeamento de ações e tomada de decisões.

As imagens de ressonância magnética dos 785 participantes, com idades entre 51 e 81 anos, foram analisadas por um grupo de pesquisadores antes e depois da contaminação pelo SARS-Cov-2. Cerca de 96% dos 401 pacientes testaram positivo, mas não foram hospitalizados. O estudo foi realizado entre março de 2020 e abril de 2021, antes do acesso quase generalizado às vacinas anticovid.

O cientista brasileiro Anderson Winkler, que atua no Instituto Nacional de Saúde Mental em Bethesda, cidade situada nos arredores da capital americana, Washington, é um dos coautores do estudo, que teve repercussão mundial. Segundo ele, durante a pesquisa, os cientistas compararam as imagens cerebrais das pessoas que testaram positivo com aquelas que não tiveram a doença, e entraram para o grupo de controle. 

Todos passaram por exames no início da pandemia, e cerca de um ano depois foram submetidos a uma nova ressonância magnética. Os cientistas puderam, então, avaliar como o SARS-Cov2 tinha modificado as estruturas cerebrais de quem tinha pego a doença e também comparar com os pacientes que nunca tinha sido expostos ao vírus.

"Nessas comparações, observamos uma diminuição da espessura do córtex cerebral, em áreas relacionadas à olfação, e também uma diminuição do contraste entre a substância branca, e cinzenta, além do apagamento desse contraste", explicou Anderson à RFI. "Notamos, também, uma diminuição da maneira como as moléculas de água se difundem, o que sugere uma alteração microestrutural no tecido cerebral, mais proeminente no grupo que testou positivo para o coronavírus", explicou.

Este é o primeiro estudo publicado até hoje sobre a Covid-19 que compara o cérebro dos pacientes antes e depois da infecção e constata mudanças nos órgãos. As imagens poderão servir de base para futuras pesquisas que buscarão entender como o SARS-Cov-2 afeta o funcionamento orgânico.

De acordo com o pesquisador brasileiro, os participantes integravam o chamado UK Biobank, um banco de dados lançado em 2006 que reúne meio milhão de pacientes do Reino Unido. Eles participam de estudos em diversas áreas e são submetidos periodicamente a exames de sangue, urina e testes cognitivos.

Muitos deles, conta Anderson, foram contaminados durante a epidemia e a equipe pôde, então, inclui-los na pesquisa. O cientista brasileiro explicou que a equipe se ateve à análise das imagens e dos testes cognitivos feitos antes e depois da infecção, já que não teve acesso aos dados sobre os sintomas relatados pelos pacientes após a contaminação.

"Os participantes fizeram uma bateria de testes através do UKBiobank, que avaliaram cognição, memória, tempo de reação, inteligência e uma série de parâmetros", explica. "Observamos alterações de imagem cerebrais relacionadas com memória, mas nos testes cognitivos, não notamos diferenças entre os dois grupos. Mesmo sem uma avaliação a longo prazo, não notamos perdas cognitivas relacionadas à memória, embora houvesse alterações nas imagens relacionadas a essas áreas cerebrais", diz.

Anderson Winkler lembra que muitas doenças infecciosas podem ter efeitos cerebrais, que são raros, mas podem ocorrer semanas ou meses após a infecção. No caso do SARS-CoV-2, diz, que é particularmente agressivo, sintomas como a perda do olfato, e o "brain fog" - a lentidão cognitiva relatada após a contaminação- já indicavam consequências no cérebro.

Ainda não se sabe, também, se as mudanças observadas no cérebro serão reversíveis, ressalta. "A gente espera e tem a intenção de chamar as pessoas que participaram da pesquisa para repetir os exames de imagem e os testes para ver se houve recuperação ou deterioração adicional, mas hoje não podemos avaliar isso", declara.

Flexibilização de medidas

Apesar dos efeitos a médio e longo prazo de uma infecção pela Covid-19 ainda serem uma incógnita, os governos vêm mantendo a política de flexibilização das medidas restritivas, que favorecem as contaminações. Ainda há poucos estudos sobre as consequências de uma infecção pelo vírus na população vacinada, mas, entre cientistas, há consenso de que, diante de um vírus desconhecido, todo cuidado é pouco.

"De qualquer forma, e isso vale para qualquer doença, é uma doença nova. Não sabemos como será a evolução a longo prazo. A cautela sempre é recomendável, cuidados como o uso de máscara, e o distanciamento social, são medidas mínimas, de custo baixo, e sempre recomendáveis", resume o cientista brasileiro.