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Presidente do Peru escapa de impeachment pela segunda vez, mas embate promete continuar

29/03/2022 08h07

Na segunda-feira (28), dia em que completou oito meses de mandato, o presidente peruano, Pedro Castillo, se salvou da segunda tentativa de destituição com um contundente resultado que representa um desgaste para a oposição. Porém, as 20 acusações contra Castillo começam a ser investigadas agora e a Procuradoria Anticorrupção já emitiu ordens de prisão para dois sobrinhos do presidente. 

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

A trégua deve durar até depois das eleições regionais de outubro. Mas por que Pedro Castillo ainda corre perigo de se tornar o terceiro presidente destituído em apenas quatro anos?

Depois de 10 horas de debate, o Congresso peruano rejeitou, pela segunda vez em quatro meses, a tentativa de destituir Pedro Castillo, por "incapacidade moral permanente" do presidente para governar.

Foram 55 votos a favor, 54 contra e 19 abstenções. Um total de 128 votos de um Parlamento unicameral de 130 legisladores.

O resultado de apenas um voto a mais a favor da destituição do que contra e 32 votos a menos do que o mínimo necessário de 87 votos para o impeachment representa um desgaste para a oposição de direita.

Polarização

"Num cenário de polarização, uma derrota da oposição automaticamente significa uma vitória do presidente. A saída vitoriosa de uma tentativa de destituição, gera um clima de tranquilidade por alguns meses, permitindo um horizonte até, pelo menos, depois das eleições de outubro", explica à RFI o cientista político peruano Carlos Meléndez.

As bancadas a favor do presidente aumentaram desde a primeira tentativa de destituição em dezembro e as bancadas moderadas votaram divididas, isolando as da oposição.

O resultado equilibrado no Congresso tem reflexo na sociedade peruana polarizada. Segundo uma pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos (IEP), 51% eram a favor da destituição do presidente, enquanto 47% eram contra.

Essa polarização aponta para Pedro Castillo como vencedor desta segunda batalha, mas o cenário político indica que a guerra vai continuar.

"As razões pela destituição do presidente variaram nesses oito meses de governo. No começo, eram razões contra um suposto governo comunista, contra uma ligação da esquerda de Castillo com a do 'chavismo' da Venezuela. Agora é contra a inoperância de Castillo, quem estaria destruindo o Estado, com a inclusão de criminosos nas esferas do poder Executivo", compara Meléndez. "As razões variaram, mas a motivação é a mesma: a oposição não pode tolerar Pedro Castillo como presidente", sublinha.

Defesa do presidente no Congresso

No começo do debate, Pedro Castillo foi até o Congresso apresentar a sua defesa. Seguro de si, procurou capitalizar o fracasso da oposição, uma estratégia necessária para quem tem 24% de aprovação e 68% de rejeição, segundo o IEP.

Mas o presidente não fez uma defesa, ponto por ponto, de cada uma das 20 acusações. A sua defesa foi genérica e alegou a falta de provas das acusações.

Pedro Castillo disse que "o processo de destituição não tem correlação com os fatos", que se baseia em "reportagens jornalísticas tendenciosas e contraditórias", que "a oposição usa um julgamento midiático para obter um resultado político" e que "as investigações estão na fase preliminar".

Entre as 20 acusações da oposição, estão supostos casos de corrupção, designação de ministros questionados, promoções irregulares nas forças de segurança, a existência de um gabinete paralelo com a participação de criminosos e supostas mentiras em investigações fiscais.

"São suspeitas muito graves de corrupção, mas são suspeitas e, portanto, não contam com investigações confiáveis nem com evidências contundentes. Para a destituição de um presidente, não bastam suspeitas. São necessárias provas. Por mais que seja um governo que começou a roubar desde o primeiro dia -que pode até ser o caso- é muito difícil que haja provas cabais em apenas oito meses de mandato", pondera Meléndez, da Universidade Diego Portales do Chile.

Enquanto Pedro Castillo se defendia, a Procuradoria Anticorrupção emitia 11 ordens de prisão preventiva, duas delas a dois sobrinhos do presidente, membros do governo, por suposta formação de quadrilha na concessão de contratos irregulares no Ministério do Transporte e das Comunicações. Além dos parentes, um dos acusados é um empresário que visitava o presidente.

Estratégia de blindagem contra impeachment

Depois da frustrada tentativa de destituição de dezembro passado, quando tinha apenas quatro meses de mandato, o presidente Pedro Castillo aprendeu que precisa garantir 44 votos para se blindar de qualquer tentativa de destituição.

"Castillo aprendeu que num clima de polarização, um presidente não pode ter uma bancada dividida. Conseguiu construir uma coalizão de governo que o protege dos embates. Aglutinou aliados radicais, atraiu independentes e seduziu moderados. Por isso, o presidente está agora tão seguro", aponta Meléndez.

O presidente se reconciliou com a ala mais radical da sua coalizão. Para atrair independentes e moderados, também moderou o discurso. E ainda conseguiu penetrar em bancadas opositoras. Com todos, usou uma receita bem conhecida pelo Congresso brasileiro: cargos públicos, Ministérios relevantes e obras nos municípios dos parlamentares.

"Castillo deu dois ministérios estratégicos aos aliados: o da Energia e Minas, onde há muito dinheiro, e o da Saúde, através do qual se tem controle territorial. Em outubro, haverá eleições para governadores e prefeitos. Então, os parlamentares querem dinheiro e presença territorial para uma boa campanha eleitoral", indica Meléndez.

Em quatro meses, o presidente já renovou o seu gabinete de ministros quatro vezes.

Incentivo às destituições

O argumento para os constantes processos de impeachment no Peru é sempre o mesmo: "incapacidade moral permanente" do presidente para continuar a governar, um argumento usado com regularidade por uma maioria parlamentar opositora cada vez que vê a chance de derrubar um governo enfraquecido por algum escândalo e pela queda de popularidade.

A "incapacidade moral" prevista no artigo 113 na Constituição não está regulamentada. A falta de uma definição sobre os alcances dessa "incapacidade" permite que o artigo seja interpretado de forma ampla e mantém o país sempre à beira da ingovernabilidade.

Desde dezembro de 2017, foram seis processos de destituição dos quais dois prosperaram, derrubando o presidente Pedro Pablo Kuczynski, em 2018, e o seu vice, Martín Vizcarra, dois anos depois.

Novas tentativas depois da trégua eleitoral

Segundo o IEP, a maioria dos peruanos (71%) acredita que o presidente não vai terminar o seu mandato.

Para Carlos Meléndez, Pedro Castillo conseguiu um horizonte de trégua neste ano eleitoral, quando os parlamentares precisam de emendas para se fortalecerem nas suas regiões.

"Mas depois deste ano eleitoral, o que o presidente vai dar a esses partidos? É quando a margem acaba. Os partidos têm o incentivo de desgastar o governo porque, com baixa popularidade, podem negociar mais. A isso somamos que podem surgir provas que levem os aliados a se inclinarem pela destituição", considera.

Do outro lado, está o Congresso, sempre impopular no Peru. Nos últimos quatro anos, também o parlamento foi dissolvido três vezes. É um recurso que um presidente pode aplicar, mas imediatamente depois do qual deve convocar eleições gerais.

"A corda também pode arrebentar a favor do presidente. Castillo pode provocar uma dissolução do Congresso. O desenlace, em qualquer um dos casos, fará com que não se chegue ao final do mandato, quer do presidente, quer do Congresso, quer dos dois", conclui Carlos Meléndez.