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Argentina anuncia 'auxílio inflação' e quer imposto sobre beneficiados com a Guerra na Ucrânia

19/04/2022 09h50

Para tentar compensar parte da perda do poder aquisitivo, consequência de uma das maiores taxas de inflação do mundo, o governo argentino anunciou um 'auxílio inflação' para trabalhadores e aposentados de baixa renda. Também quer criar um novo imposto sobre a chamada "renda inesperada", a ser pago pelas empresas que foram beneficiadas com a guerra na Ucrânia.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O anúncio do presidente argentino, Alberto Fernández, tenta compensar parte das perdas com uma inflação que, nos primeiros três meses do ano, ficou em 16,1% e que se projeta entre 60% e 70% até o final do ano, depois de atingir 6,7% em março, a mais alta inflação mensal dos últimos 20 anos.

 "Estas medidas são muito necessárias devido ao impacto da inflação no primeiro trimestre. Devemos garantir que não afete o bolso dos argentinos, principalmente dos setores mais vulneráveis", anunciou Alberto Fernández, ao lado do ministro da Economia, Martín Guzmán, na Casa Rosada, sede do governo argentino.

A presença de Fernández ao lado do ministro foi interpretada como um gesto de apoio a Martín Guzmán, questionado até mesmo pelos integrantes da coalizão de governo.

O 'auxílio inflação' faz referência aos trabalhadores informais, aos autônomos de baixa renda e aos aposentados que ganham até dois salários mínimos.

"Onde sentimos que o nosso projeto esteja falhando? Na distribuição, porque a inflação come grande parte dos aumentos salariais aos setores mais vulneráveis. Nos próximos dias vamos atacar a gênese da inflação", prometeu Fernández, exatamente um mês depois de ter anunciado uma "guerra contra a inflação".

A assistência pretende chegar a 13 milhões de pessoas, cerca de 30% da população argentina, com 18 mil pesos argentinos (cerca de 700 reais) divididos em duas parcelas, em maio e em junho.

Os analistas econômicos classificaram a ajuda como um remendo que serve de pouco e que não combate a inflação.

"É um remendo sobre outro remendo sobre outro remendo e sobre mais outro remendo. Em vez de fazer modificações estruturais necessárias na economia, o governo prefere remendar", critica o economista Fausto Spotorno, diretor da consultora Orlando Ferreres, uma referência no país

"Esse remendo visa encobrir o cálculo de aumento na pobreza. Ao dar assistência àqueles que estão no limiar de pobreza, evitam que essa população apareça no índice de pobreza com uma medida meramente circunstancial", avalia Spotorno.

"Renda inesperada"

Para financiar o auxílio, o governo apela a uma velha receita: um novo imposto, denominado "renda inesperada".

"É um mecanismo para poder capturar parte da renda inesperada, consequência da guerra na Ucrânia", definiu o ministro Guzmán, com eufemismos para evitar a palavra "imposto".

Por "renda inesperada", leia-se grandes empresas que tiveram uma renda extraordinária, beneficiadas pela repentina guerra na Ucrânia. São empresas exportadoras de matérias primas como grãos, cereais, petróleo e minérios.

"Os países em guerra, Rússia e Ucrânia, são justamente dois dos que mais alimentos produzem. Esta era, por isso, uma excelente oportunidade para a Argentina. Ao invés de incentivar os investimentos, de duplicar a produção, de exportar muito mais, a Argentina desincentiva os investimentos e aumentando a pressão tributária", compara o cientista político Sergio Berensztein.

"A Argentina não suporta mais nenhum imposto. Na verdade, não suporta os que já existem. A economia não cresce há uma década. O emprego formal privado não cresce há uma década. O único que cresce na Argentina são o emprego público, os impostos e a pobreza. O estímulo ao investimento e ao emprego não está na agenda econômica da Argentina", sublinha Fausto Spotorno.

Em 28 meses de governo, Alberto Fernández criou ou aumentou 19 impostos. O "renda inesperada" seria o vigésimo e recairia sobre 3% das empresas argentinas. No entanto, a oposição promete impedir a aprovação do novo tributo no Congresso, por onde a iniciativa precisa passar.

Recalibragem com o FMI

Com a alta inflação argentina, as metas negociadas com o Fundo Monetário Internacional no acordo anunciado no dia 4 de março foram alteradas. Por isso, logo depois de anunciar esse "auxílio inflação" e a intenção de taxar a "renda inesperada", o ministro da Economia, Martín Guzmán, partiu a Washington para participar da Assembleia de Primavera do FMI e do Banco Mundial.

"Guzmán vai-se reunir com funcionários dos países do G7 no FMI. Esses principais acionistas do FMI já estavam preocupados com a Argentina porque não acreditavam nos parâmetros usados para um acordo com a Argentina. Agora, Guzmán vai avisar que o prometido não será cumprido", indica Sergio Berensztein.

O ministro argentino vai-se reunir com a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, para 'recalibrarem' alguns indicadores. O termo é o escolhido pelos técnicos do FMI e da Argentina para diferenciarem de uma renegociação de todo o programa financeiro.

No acordo, a Argentina se comprometeu com uma inflação entre 38% e 48% neste ano, enquanto o mercado trabalha com, no mínimo, 60%. Também parece difícil que a redução do déficit fiscal primário de 3% a 2,5% do PIB seja cumprida. Até mesmo a diminuição de 3,7% a 1% do PIB do volume de emissão monetária parece uma tarefa titânica quando não se tem acesso ao mercado de crédito.

No acordo com o FMI, a Argentina também se comprometeu a reduzir os subsídios à energia; o que levaria a um aumento das tarifas entre 17% e 130%, de acordo com o segmento social.

Desde que assumiu o cargo em dezembro de 2019, as tarifas dos serviços públicos ficaram congeladas. Mesmo assim, a inflação acumulada nos primeiros 27 meses de Alberto Fernández foi de 130%. Quando as tarifas forem descongeladas, a inflação vai ganhar novo impulso.

Pódio inflacionário

Só nos últimos 12 meses, a inflação acumulada na Argentina foi de 55,1%, mesmo com tarifas congeladas, com 18 programas de controle de preços, com férreas restrições ao movimento de capitais.

A taxa de juros anual na Argentina de 47% fica abaixo da inflação projetada pelo mercado, levando à perda do poder de compra até mesmo quem tem capacidade de economizar.

Só em fevereiro e em março, a inflação sobre os alimentos foi de 15% e o aumento do preço dos alimentos tem maior impacto sobre a classe baixa.

O aumento nos preços dos alimentos na Argentina foi três vezes maior do que no Brasil, segundo um estudo das Confederações Rurais Argentinas (CRA). Em março, os alimentos ficaram 2,4% mais caros no Brasil, enquanto na Argentina o aumento foi de 7,2%.

Em março, apenas um país teve a inflação superior à da Argentina, segundo um estudo do Instituto Argentino de Análise Fiscal (IARAF). Em guerra e sob sanções econômicas, a Rússia teve 7,6% de inflação, enquanto a Argentina, 6,7%. Na América Latina, a Argentina lidera o ranking, três vezes e meia acima do Chile, com 1,9% de inflação.