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"Falta debate sobre o racismo relacionado à migração no Brasil", diz advogada brasileira em Paris

02/05/2022 15h40

A ideia do Brasil como um país acolhedor de migrantes não condiz com a realidade, especialmente após a pandemia de Covid-19. Essa é a opinião da advogada e pesquisadora em Sociologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Karina Quintanilha. Em entrevista à RFI Brasil, ela destaca a "relação entre a política migratória e o racismo de estado herdado de um regime escravocrata e colonial". 

"É muito importante trazermos essa questão para a pauta. As situações dos trabalhadores e trabalhadoras migrantes no Brasil e a política migratória é pouco discutida na mídia", acredita. "Nós buscamos dar visibilidade para as portarias inconstitucionais que estão sendo aplicadas para violar os direitos dos migrantes, para violar a lei de migração e a Constituição Federal, que também garante direitos para os migrantes no Brasil mas está constantemente sob ataques", denuncia.

"No Brasil, temos uma Constituição Federal protetiva que iguala os direitos dos brasileiros e dos não nacionais. Em 2017, conquistamos a Lei de Migração, que veio substituir o Estatuto do Estrangeiro, uma legislação da época da ditadura que tratava o migrante sob a ótica da segurança nacional", contextualiza. 

Recorde de deportações

Apesar do avanço na lei, a advogada destaca um aumento recorde de deportações de 5.700% em 2020, em relação a 2019. 

"Uma portaria aprovada durante o governo Bolsonaro, através do então ministro da Justiça, Sérgio Moro, instituiu a deportação sumária, resgatando a ideia dos imigrantes como pessoas perigosas", destaca. "É uma legislação que tínhamos na época colonial do Brasil Império e que tem sido utilizada, principalmente no período da pandemia, para deportar em massa", alerta.

"Percebemos que o controle migratório se expressa através de outras portarias, como o fechamento das fronteiras durante a pandemia, discriminando, especificamente, os venezuelanos e haitianos pela via terrestre", observa.

"Uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro durante a pandemia não foi o controle sanitário com relação à entrada de pessoas de países que eram foco da Covid-19, principalmente países europeus e Estados Unidos, mas daqueles que estão em situação de refúgio por vias terrestres", reforça a advogada.

Trabalho escravo

Ainda conforme a especialista, quando os migrantes são acolhidos, não faltam casos de intermediação de mão de obra para vagas de trabalho precário e até mesmo denúncias de trabalho escravo.

"Estamos muito preocupados com relação ao aumento de denúncias de trabalho escravo envolvendo migrantes no Brasil que foram interiorizados  para cidades que não têm histórico ou política pública para acolher essas pessoas", revela.

"O que sobra, quando já temos mais de 40 milhões de brasileiros no trabalho informal e mais 12 milhões de desempregados, são os trabalhos mais precarizados", acrescenta.

Caso Moïse

Entre tantas situações, um caso chamou a atenção do mundo: o do congolês Moïse Kabagambe, assassinado no Rio de Janeiro no início do ano após exigir pagamento por seu trabalho em um quiosque da Barra da Tijuca. A morte dele levantou a discussão sobre a precariedade da vida dos migrantes africanos no Brasil.

"Atualmente, o Ministério Público do Trabalho está reivindicando uma indenização para a família dele de mais de R$ 12 milhões, em razão de denúncia do trabalho escravo que ele sofria", afirma Karina Quintanilha.

A advogada brasileira veio à França apresentar parte de seu trabalho de doutorado sobre o controle migratório no Brasil. "Deu para perceber que não existe uma discussão, ainda, sobre a questão do racismo no Brasil relacionada à migração", observa.

 "Atualmente, no Brasil, os imigrantes têm direito a se manifestar, têm direito à participação política, a se filiar em sindicatos e movimentos sociais e isso foi importante para gerar uma forte mobilização frente ao racismo estrutural que existe no nosso país", conclui.