"Deus e o Diabo na Terra do Sol" em Cannes: "Obra de Glauber resiste ao tempo", diz Paloma Rocha
"Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, é o único filme brasileiro selecionado este ano para o Festival de Cannes. O longa-metragem será exibido nesta quarta-feira (18), na sessão Cannes Classics, dedicada à preservação do patrimônio cinematográfico mundial.
"Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, é o único filme brasileiro selecionado este ano para o Festival de Cannes. O longa-metragem será exibido nesta quarta-feira (18), na sessão Cannes Classics, dedicada à preservação do patrimônio cinematográfico mundial.
O longa retorna ao festival quase 60 anos depois de sua primeira exibição, em 1964, quando Cannes e o mundo descobriam o genial diretor baiano e o Cinema Novo brasileiro. Foi a primeira participação de Glauber no festival francês, que iria recompensá-lo com o Fipresci da Crítica Internacional por "Terra em transe", em 1967, e com o prêmio de melhor direção por "O dragão da maldade contra o santo guerreiro", em 1969.
A versão em 4k será apresentada em Cannes por Paloma Rocha, cineasta e filha de Glauber, e pelo produtor e cineasta Lino Meireles, que participou do projeto de restauração do filme.
A ideia de fazer a nova versão foi de Meireles, que queria "trazer para o digital filmes não muito acessíveis de Glauber". Ele entrou em contato com Paloma, que propôs "Deus e o diabo". "Eu sabia que o negativo estava na Cinemateca Brasileira e conversei com o Lino sobre a importâcia de restaurar esse filme dentro do projeto de preservação da obra do Glauber", diz ela.
A restauração contou ainda com a participação de Walter Lima Júnior, assistente de direção do filme, com o fotógrafo Luis Abramo e com o engenheiro de som José Luiz Sasso. "Foi um trabalho minucioso", conta Paloma Rocha. A nova versão revela detalhes imperceptíveis da cópia em DVD que estava disponível até agora.
"Na minha opinião, é uma nova revelação. Eu vi coisas que eu nunca tinha visto ou ouvido no filme", afirma a filha do diretor baiano, morto em 1981 aos 42 anos.
"Nada foi mudado. A gente apenas transformou o negativo original em digital", indica Meireles. A intenção com o restauro é que as pessoas em Cannes, e depois no resto do mundo, "possam assistir ao filme como ele foi projetado aqui em 1964". O ciclo se renova, diz ele. "'Deus e o diabo na terra do sol' volta para o mundo", celebra o produtor e cineasta brasiliense.
Crítica social
Paloma Rocha acha "inexplicável" o filme do pai ser o único longa brasileiro selecionado para o Festival de Cannes este ano. "Nós atravessamos esse processo cultural e econômico que o Brasil está passando nesse momento, e o filme chega pela própria força dele, a própria resistência", avalia.
Glauber Rocha "volta ao seu certame original, que é o certame dos grandes cineastas do mundo", destaca. "Que isso sirva de estímulo ao jovens diretores brasileiros", espera a cineasta.
"Deus e o diabo na terra do sol" é o primeiro longa da trilogia da Terra, de Glauber, que faz uma crítica social feroz com uma estética própria. Ele conta a história do vaqueiro Manuel que, explorado, abandona a fazenda onde trabalhava para seguir um beato e termina o filme integrando o bando do cangaceiro Corisco.
"A pretensão do Cinema Novo era explicar o Brasil para conscientizar o espectador", recorda Meireles. "O que o Glauber faz no 'Deus e o diabo' é mostrar mitos populares, a visão de um Brasil que busca uma liderença", explica. "Ele refletia o Brasil do passado para fazer o país caminhar para um outro futuro", estima o produtor.
"Todos os filmes tratam da mesma coisa: do mundo rico e do mundo pobre, do colonialismo", acrescenta Paloma Rocha. "No caso, a briga pela terra que está acontecendo até hoje, e também da autocolonização, que é a questão do messianismo, que também está presente no Brasil de hoje", aponta a cineasta. "É uma ideologia muito viva", destaca a filha de Glauber. "Praticamente, o Brasil de hoje está traduzido neste filme", conclui.
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