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Referência dos Black Studies, novo ministro da Educação francês disse que colonialismo deve ser estudado nas escolas

24/05/2022 12h31

Na última sexta-feira (20), a nova primeira-ministra da França, Élisabeth Borne, causou surpresa ao anunciar para a pasta da Educação Pap Ndiaye, um dos pioneiros da corrente Black Studies na França. O intelectual se considera fruto do colonialismo francês e defende que a temática deve ser melhor estudada nas escolas.

Na última sexta-feira (20), a nova primeira-ministra da França, Élisabeth Borne, causou surpresa ao anunciar para a pasta da Educação Pap Ndiaye, um dos pioneiros da corrente Black Studies na França. O intelectual se considera fruto do colonialismo francês e defende que a temática deve ser melhor estudada nas escolas.

Ndiaye realizou seu primeiro ato como ministro nesta segunda-feira (23): uma visita à escola onde o professor Samuel Paty, assassinado por um terrorista em 2020, lecionava. "Eu sou professor, eu falo aos educadores como um colega", insistiu.

Mas antes mesmo de anunciar qualquer medida, a escolha do ministro causou reações da classe política e nos sindicatos de professores. 

Quando foi indicado para a direção do Museu da Imigração, em 2021, Ndiaye disse que tinha sido designado para "esfriar temas quentes". Dessa vez, ele corre o risco de reacendê-los.

Intelectual conhecido pela defesa de minorias, principalmente negros, Ndiaye tem ideias diametralmente opostas ao seu antecessor, Jean-Michel Blanquer, que fez da luta contra o que chamou de "islamoesquerdismo", uma de suas bandeiras. Para analistas, o governo quer mostrar que rompeu radicalmente com a linha do ministro anterior, bastante criticado entre profissionais da educação.

Aos 56 anos, o novo ministro é, antes de tudo, um historiador. Filho de pai senegalês e mãe francesa, ele cresceu em Antony, cidade de classe média, na periferia de Paris. Se formou na conceituada Escola Normal Superior e, graças a uma bolsa, estudou na Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, onde se especializou na história social americana e em suas minorias. 

Em 2012 ele começa a lecionar no Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po) e, em 2021, indicado pelo próprio presidente Emmanuel Macron, assume a direção do Palácio da Porte-Dorée, espaço parisiense onde fica o Museu da Imigração.

Conhecido internacionalmente como referência nas temáticas de minorias, o intelectual lançou, em 2008, o livro La condition noire. Essai sur une minorité française ("A condição negra. Ensaio sobre uma minoria francesa"), que para muitos especialistas veio cobrir uma lacuna na França: a de uma abordagem histórica dos negros no país. 

No livro, ele defende que as desigualdades ? até então analisadas através de uma abordagem de classe, nos estudos franceses ? têm fundamento racial. Dessa maneira, Ndiaye foi um dos pioneiros do campo dos Black Studies na França. 

Mudança de ideias

De acordo com Ndiaye, os estudos que realizou nos Estados Unidos mudaram sua vida. "Eu sou um produto da escola republicana francesa e da affirmative action americana", disse em entrevista ao jornal Le Monde, em 2009. 

Educado no universalismo francês, ele reconhece que sua passagem por uma universidade americana permitiu pensar a questão racial. "Foi uma forma de revelação. Principalmente porque, há 30 anos, o tema era muito marginal no mundo universitário francês", disse em entrevista a uma revista. 

Apesar de ser considerado conciliador, algumas ideias e iniciativas de Ndiaye no passado geram controvérsia até hoje. Sua participação na fundação do Conselho Representativo das Associações negras (CRAN), em 2005, e suas posições a favor das estatísticas éticas são exemplos. 

Em 2020, Ndiaye chegou a criticar a postura de Emmanuel Macron sobre a violência "policial racista" na França, em entrevista ao site independente Médiapart, em meio às manifestações após a morte de George Floyd nos Estados Unidos.

Em entrevista recente ao programa de televisão Quotidien, ele disse que era fruto da história colonial da França e afirmou que o tema deveria ser mais tratado na escola. "Mesmo que muito progresso tenha sido feito nos últimos 20 anos, acho que ainda existe muito a fazer para reconhecer a dimensão imperial de nosso país", disse. "Mas não significa mostrar arrependimento, significa conhecer melhor", ponderou.

Wokismo 

Teria o novo ministro o objetivo de aplicar na França a cultura woke, tão denunciada por Blanquer e considerada forte em universidades como Sciences Po, onde ele dirigiu o departamento de História entre 2014 e 2017? O ex-professor nega, e diz que é mais "cool" do que "woke". 

Além das questões ideológicas, na prática, Ndiaye terá que enfrentar vários desafios. O principal é a revalorização da carreira dos professores. Seu mandato começa com uma crise na contratação de pessoal que faz aumentar os temores de que faltem professores na volta às aulas em setembro. 

Apesar de criticada por setores da direita e pela extrema-direita, como era de se esperar, a escolha de Ndiaye foi celebrada por sindicatos de professores, vista como símbolo de uma "ruptura com Jean Michel Blanquer". Mas os representantes da categoria lembraram que "a Educação Nacional não pode ser governada unicamente por símbolos".