Novo Código Florestal completa 10 anos com pouco avanço e na mira de ruralistas
Depois de anos de discussões e negociações, a aprovação do Novo Código Florestal em 25 de maio de 2012 deixou insatisfeitos por todos os lados. Ambientalistas protestaram contra a anistia concedida aos desmatadores anteriores a 2008, enquanto os produtores rurais julgaram o texto restritivo demais. Dez anos depois, a lei pena a ser implementada e sofre ameaças constantes de flexibilizações no Congresso, dominado pela bancada ruralista.
Lúcia Müzell, da RFI
O enquadramento jurídico atualizou o código de 1965 para melhor conciliar o agronegócio com a conservação ambiental, cada vez mais exigida pelos parceiros comerciais do Brasil, cuja economia dependente da exportação de produtos agrícolas. O texto instaurou dois mecanismos importantes para garantir a proteção das florestas e a recuperação das áreas degradadas: o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA).
No CAR, as informações são declaradas pelos próprios proprietários e precisam ser checadas e validadas por órgãos ambientais em cada estado, de modo a conferir um selo de sustentabilidade à produção brasileira. Depois de uma década, embora praticamente todos imóveis rurais tenham sido registrados, apenas 0,4% dos 6,5 milhões de cadastros foram regularizados, aponta o Observatório do Clima, baseado no último relatório do Serviço Florestal Brasileiro.
Um estudo do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG revelado nesta quarta-feira (25) constatou ainda que somente 7% dos cadastros já começaram a ser analisados, e com grandes disparidades entre os estados.
Devastação continua
"Não, não estamos protegendo mais as florestas. O Código Florestal ainda requer um longo caminho para que seja implementado em campo", afirma Roberta Del Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal, criado um ano depois da promulgação da lei para monitorar o cumprimento do texto.
"Nesses 10 anos, a gente perdeu 13,2 milhões de hectares de florestas, e essas áreas foram ocupadas pela agropecuária. Tem áreas abandonadas, tem áreas que precisam ser restauradas, mas o código não vem sendo implementado em campo. Ainda não começou a haver restauração em campo", ressalta.
Os empecilhos são vários: embates na Justiça para questionar a constitucionalidade da nova lei, que se prolongaram por anos, falta de verba para as verificações, com meios tecnológicos e humanos, prazos longos para a aplicação efetiva da lei e, em grande parte, falta de vontade política para tirá-la do papel.
"A gente tem, no papel, uma regulamentação que é bastante restritiva, sim, para um produtor rural. Mas, certamente, a vontade política faz uma diferença muito grande", afirma Joana Chiavari, diretora associada do Climate Policy Initiative, da PUC-Rio, onde coordena o programa de Direito e Governança do Clima. "Vimos que, quando a inscrição no CAR passou a ser um requisito para a concessão de crédito rural, a gente viu uma mobilização muito grande para avançar os cadastros. O que a gente consegue enxergar é que quando não tem muitos incentivos claros para chegar na etapa de regularização, começa a acontecer uma passividade, por parte dos estados", sublinha a pesquisadora.
Ruralistas tentam enfraquecer o Código Florestal
Enquanto isso, a bancada ruralista se mobiliza para "passar a boiada". Não foram poucas as tentativas de flexibilização do Novo Código Florestal ao longo desta década. O prazo final para registro de todos os proprietários rurais foi adiado várias vezes e agora, no governo de Jair Bolsonaro, simplesmente foi abolido.
Os parlamentares próximos ao agronegócio querem novos benefícios para os produtores em busca da regularização ambiental. No mês do aniversário do Novo Código Florestal, entrou em tramitação no Senado um projeto de lei para ampliar em quatro anos - de 2008 para 2012 - o período de anistia de desmatamento em reserva legal.
"Temos um cenário nebuloso, com varias ameaças no Congresso Nacional, algumas muito danosas, como a que tira o Mato Grosso da Amazônia Legal - algo que seria capaz de promover um desmatamento de 10 milhões de hectares. Tem outros que são mais estruturais, que desmontam o código e desorganizam esse processo de implementação, temos compensações de reserva legal com um prazo mais curto", aponta Roberta. "Isso tudo traz instabilidade. O recado que se passa para um investidor é: aqui é um terreno nebuloso, vá para um lugar mais calmo porque aqui no Brasil a gente não decidiu o que a gente quer."
Código no centro de um plano estratégico
Beto Mesquita, membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, admite que, ao defender o cumprimento do código, a organização - que reúne mais de 300 entidades ligadas ao agronegócio - é uma "bolha" dentro do setor. Ele argumenta que o CAR é um "instrumento poderosíssimo" de gerenciamento do capital natural brasileiro e de controle e fiscalização do desmatamento e queimadas.
"Se pudessem, algumas lideranças ruralistas revogavam o Código Florestal inteiro, com uma canetada só. Isso é péssimo para o país", pontua o engenheiro florestal. "Se a gente conseguir mobilizar uma parte importante dos estados e, quem sabe, na próxima gestão, engajar os futuros governadores, independentemente de quem venha a ser o mandatário no governo federal, a gente tem um potencial de juntar o setor privado, o empresarial, a academia, e ter o Código Florestal e ecossistemas brasileiros no centro de um plano estratégico de recuperação econômica do país. Podemos criar esse plano estratégico acelerar a restauração de áreas, a restauração produtiva das áreas de reserva legal, a agricultura de baixo carbono, que trazem vários elementos que tem tudo a ver com o cumprimento do Código Florestal", sugere.
A lei prevê seis etapas e um prazo até 2032 para a adequação de todos os produtores rurais do país à lei. Em 10 anos, apenas o primeiro passo foi cumprido - o registro das propriedades rurais por autodeclaração.
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