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Resto mortal de ícone anticolonial congolês é devolvido à família pela Justiça belga

Filhos de Patrice Lumumba, Juliana Lumumba, Roland Lumumba e Francois Lumumba, com o rei Philippe da Bélgica - NICOLAS MAETERLINCK/AFP
Filhos de Patrice Lumumba, Juliana Lumumba, Roland Lumumba e Francois Lumumba, com o rei Philippe da Bélgica Imagem: NICOLAS MAETERLINCK/AFP

20/06/2022 13h36

Um dente. Foi tudo o que sobrou do corpo de Patrice Lumumba, primeiro-ministro do Congo após mais de 100 anos de governo brutal, depois de ser assassinado e ter seu corpo dissolvido em ácido por separatistas e mercenários belgas na região de Katanga, em 17 de janeiro de 1961.

O policial Gerard Soete, envolvido no assassinato, manteve o dente de Lumumba como um troféu. Recuperado pela Justiça da Bélgica, ele foi devolvido à família.

Nesta segunda-feira (20), mais de 61 anos após sua morte, o último resto mortal de Patrice Lumumba, primeiro-ministro congolês, foi devolvido à sua família e ao seu país. Trata-se de um único dente que tinha sido guardado durante todos estes anos por um policial belga, um dos responsáveis pelo assassinato do herói nacional.

A cerimônia aconteceu na presença da família de Patrice Lumumba, mas também das autoridades belgas e congolesas e foi marcada pelo discurso do primeiro-ministro da Bélgica, Alexander de Croo, "reiterando o pedido de desculpas do governo" — desculpas já apresentadas em 2002 por Louis Michel, na época chefe da diplomacia belga. Desta vez, Alexander de Croo evocou a responsabilidade moral dos líderes do país na morte de Lumumba.

"Um homem foi assassinado por suas convicções políticas, suas palavras, seu ideal. Para o democrata que sou, isto é indefensável, para o liberal que sou, isto é inaceitável. E para o ser humano que sou, é odioso", acrescentou o chefe de governo belga, que repetiu várias vezes que esta restituição acontecia tarde demais.

"A África celebra o retorno de um filho"

Em seguida, o primeiro-ministro congolês, Jean-Michel Sama Lukonde, tomou a palavra para saudar "Lumumba, um herói nacional", acrescentando que a data de 20 de junho de 2022 "entra para os anais da história". "É um continente inteiro, a África, que celebra o retorno de um filho", reiterou.

Antes dos discursos, os olhos da audiência permaneceram focados nos filhos de Patrice Lumumba, Juliana, Roland e François. Foi a eles que a Justiça belga, pela mão do chefe do Ministério Público Federal, Frédéric Van Leeuw, entregou o resto mortal do pai durante uma cerimônia íntima e privada que contou com a presença de cerca de 20 pessoas.

"Gostaria de lhe agradecer pelas medidas legais que tomou, porque sem estas medidas, não estaríamos onde estamos hoje. Isto permitiu que o sistema de justiça em nosso país avançasse", disse Frederic Van Leeuw.

Um momento importante também para Juliana Lumumba: "Nosso pai é um homem público, mas gostaríamos (...) de chamá-lo apenas de 'papai'", afirmou. A filha do herói da independência congolesa também agradeceu ao rei belga Philippe, com quem ela se reuniu, junto com seus irmãos. Ela elogiou a ação do governo belga e expressou sua infinita gratidão ao presidente congolês, Félix Tshisekedi.

Atrocidades

Patrice Lumumba tornou-se o primeiro premiê do Congo após mais de 100 anos de governo brutal - sob o reinado de Leopoldo II da Bélgica, depois sob o governo belga - até que o então conhecido como Estado Livre do Congo conquistou sua independência em 1960.

Os congoleses daquela época foram forçados a trabalhar nas numerosas plantações de borracha. A Bélgica também saqueou os abundantes minerais, madeira e marfim do país. Muitos grupos contestaram e foram mortos. Aqueles que foram forçados a trabalhar tinham suas mãos cortadas se não fizessem sua cota cotidiana, ou eram assassinados diretamente pelos seus supervisores. Muitos outros morreram após se contaminarem com vários tipos de doenças.

Historiadores, incluindo Adam Hochschild, autor do "Fantasma do Rei Leopoldo" que investigou essas atrocidades em seu livro, indicam que 10 milhões de congoleses pereceram sob as mãos dos belgas.

Como o primeiro chefe de Estado do país recém-independente, Lumumba era um feroz anticolonialista. Tanto a Bélgica quanto os Estados Unidos foram seus aliados, mas ele caiu em desgraça ao adotar políticas pró-congoleses.