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Decisão contra aborto da Suprema Corte nos EUA gera debate na França

27/06/2022 10h43

A decisão da Suprema Corte dos EUA, de suspender o direito constitucional ao aborto, gerou repercussão na França e mobiliza parlamentares e associações para garantir que o direito ao chamado IVG, a interrupção voluntária da gravidez, seja constitucionalizado no país.

O jornal Libération destaca a manifestação ocorrida neste domingo (26) na Praça da República, em Paris, dois dias após a revogação do chamado decreto Roe contra Wade, nos Estados Unidos. A lei garantia, desde 1973, o direito ao aborto no país em nível federal, mas foi revogada no final da semana passada pela maioria de juízes conservadores da Suprema Corte dos EUA.

Nas ruas da França, diversos coletivos feministas convocaram protestos em apoio às americanas. No sábado, uma nova manifestação está prevista. Os deputados franceses também avaliam a possibilidade de colocar a garantia do direito à interrupção voluntária da gravidez na Constituição.

A descriminalização do aborto foi aprovada na lei Veil, de autoria da ex-ministra da Saúde Simone Veil, em 1974. No início do ano, o Parlamento estendeu o prazo legal do procedimento de 12 para 14 semanas de gestação.

As líderes do partido governista, Aurore Bergé, e da bancada de oposição A França Insubmissa, Mathilde Panot, anunciaram que irão apresentar um projeto de lei constitucional para proteger o direito ao aborto de qualquer investida conservadora, uma demanda antiga das feministas francesas. Mas o jornal Le Figaro revela que a maioria governista enfrenta diversas criticas da oposição e de aliados. O líder da sigla Modem, de centro, aliado de Macron no governo, é contrário à proposta. François Bayrou considera a lei Veil suficiente e não vê no país "nenhuma ameaça ao aborto".

Neste domingo, 400 advogados franceses publicaram um texto no Journal du Dimanche (Jornal do Domingo) defendendo que o direito ao aborto seja inserido na Constituição. O objetivo seria "impedir quem quer que seja de desrespeitar o direito das mulheres de dispor de seus corpos como bem pretendem".

A primeira-ministra francesa, Élisabeth Borne, disse que apoiará a proposta, em um tuíte publicado no sábado (25), mas o presidente francês, Emmanuel Macron, ainda não se pronunciou oficialmente sobre a questão, embora tenha criticado a decisão americana.

Relatório mostra que aborto na França nem sempre é garantido

A recente eleição de 89 deputados do partido de extrema direita Reunião Nacional pode complicar a adoção da proposta, embora Marine Le Pen, líder da bancada na Assembleia e ex-candidata à eleição presidencial, tenha sinalizado que o grupo poderia apoiar a constitucionalização do direito à interrupção voluntária da gravidez. No entanto, alguns parlamentares do RN militam contra o aborto, como Christophe Bentz. Ele já participou de manifestações do "movimento pró-vida" e comparou o aborto a um "genocídio de massa". 

A ex-deputada Albane Gaillot, do partido Ecologia, Democracia e Solidariedade, lembra que os maiores opositores à proposta integram o partido Os Republicanos, de direita. Segundo ela, o risco da emergência de uma coalizão conservadora de direita na Assembleia, que questione o direito à interrupção da gravidez, não pode ser descartado.

Um relatório divulgado pelos parlamentares em 2020 mostrou que o aborto é tolerado na França, mas não é sempre garantido, já que os prazos nem sempre são respeitados e os acessos aos centros que praticam o IVG não é homogêneo em todo o território.