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Festival Utopia apresenta em Lille obras do brasileiro Jaider Esbell e outros artistas indígenas

01/07/2022 10h37

Ao entrar no Musée de L'Hospice Comtesse (Museu do Hospício Condessa), em Lille, no Norte da França, o visitante se depara com duas grandes serpentes infláveis e coloridas com motivos indígenas. A obra do artista da etnia Macuxi, Jaider Esbell, faz parte de um conjunto de trabalhos feitos por representantes de povos originários da Amazônia e que agora chegam ao grande público na Europa. A RFI Brasil visitou a mostra Utopia, que reúne mais de 50 exposições e tem como tema as relações entre o homem e a natureza.

Ao entrar no Musée de L'Hospice Comtesse (Museu do Hospício Condessa), em Lille, no Norte da França, o visitante se depara com duas grandes serpentes infláveis e coloridas com motivos indígenas. A obra do artista da etnia Macuxi, Jaider Esbell, faz parte de um conjunto de trabalhos feitos por representantes de povos originários da Amazônia e que agora chegam ao grande público na Europa. A RFI Brasil visitou a mostra Utopia, que reúne mais de 50 exposições e tem como tema as relações entre o homem e a natureza.

Maria Paula Carvalho, enviada especial a Lille

Intitulada "Entidades", a obra de Jaider Esbell entrelaça mitos indígenas, críticas à cultura hegemônica e preocupações socioambientais. As duas cobras imponentes, adornadas com padrões circulares coloridos, são erguidas em posição de ataque no pátio da instituição. Embora feitas com materiais infláveis e modernos, elas refletem a estética e a forma de pensar do povo Macuxi, de Roraima.

O trabalho, que agora pode ser visto na França, já foi exposto com destaque na 34ª Bienal de Arte de São Paulo, em 2020. Educador, ativista e pensador, Jaider Esbell morreu em novembro de 2021, aos 42 anos, deixando um legado de reconhecimento da arte indígena contemporânea. O artista, que nasceu na terra indígena Raposa Serra do Sol, foi encontrado morto em seu apartamento e esta é a primeira vez que sua obra é apresentada ao público desde então. 

"Essa é a quinta montagem que fazemos das 'Entidades' e a primeira depois que ele faleceu", conta o produtor de arte Ricardo Bizafra, que veio à França para o evento. "Então, para mim ainda é estranho saber que ele não viu, não participou do processo. Mas eu tenho a impressão de que ele está vendo e está gostando", diz.

"Jaider tinha muita consciência do que estava fazendo, da importância do discurso dele num espaço de arte contemporânea, normalmente sisudo e de pessoas brancas, europeias e chiques. E ele chegava fazendo questão de dizer 'eu sou indígena do Brasil', 'a Amazônia está sendo atacada', 'a nossa cultura está sendo atacada', mas eu estou aqui para falar isso", completa.

"Ver isso numa bienal importante, na França, e ver um monte de críticos de arte prestando atenção, eu acho que era exatamente onde o Jaider queria chegar com esse discurso", conclui Bizafra.

Cena indígena

Em sua sexta edição, o festival Utopia Lille 3.000 abre espaço para artistas indígenas da América do Sul, numa profusão de obras de arte sensoriais. A pintura "Ondas de la Ayahuasca" (2011), do peruano Pablo Amaringo, é inspirada nas visões xamânicas e exibe as famosas cobras entrelaçadas representadas há milênios, que evocam a dupla hélice do nosso DNA, que os cientistas descobriram somente em 1953.

O "Oráculo" é uma viagem meditativa e psicodélica de 10 minutos, em que o visitante permanece de olhos fechados em uma experiência de luz e som proposta pelo coletivo Alpha Wave.

Para o diretor artístico do evento, Didier Fusillier, a exposição é uma oportunidade para o público ver trabalhos que ainda não são comuns nos museus tradicionais. "Há trabalhos de comunidades Ianomâmis brasileiras e venezuelanas, há uma grande cena artística da América do Sul", explica. "Temos o Jaider Esbell, que encontramos aqui e na exposição 'Les Vivants', da Fundação Cartier. Então, é uma cena que vamos descobrir em Lille, exuberante e extraordinária. Há uma paixão em descobrir estes artistas, às vezes nos museus ou mesmo do lado de fora, com grandes infláveis, filmes em todos os lugares nesses quatro meses de Utopia", completa. "E são artistas indígenas, que utilizam materiais têxteis e de papel, que vemos pouco, o que cria um ambiente particular de obras muito frágeis, que nos levam a considerar a arte de outra maneira", finaliza.

A exposição Utopia fica em cartaz até o dia 2 de outubro.