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Argentina: nova ministra da Economia enfrenta primeiro teste num mercado financeiro cético

04/07/2022 08h13

Depois de 28 horas sem um candidato que aceitasse o cargo, o presidente argentino, Alberto Fernández, conseguiu uma ministra da Economia sem afinidade com o mercado financeiro. Analistas ouvidos pela RFI veem um governo enfraquecido e preveem turbulências nos mercados.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Foram 28 horas de uma incógnita que expôs a falta de autoridade do presidente para tomar decisões e a intervenção total da vice-presidente na área econômica. No final da noite deste domingo (3), quando o governo já se preparava para declarar feriado bancário nesta segunda-feira (4), o nome menos esperado pelo mercado foi anunciado: Silvina Batakis é a nova ministra da Economia da Argentina.

A nova ministra, de 53 anos, é uma economista heterodoxa, aliada da vice-presidente, Cristina Kirchner, contrária ao ajuste e a favor do gasto público. Já atuava no governo como secretária de Províncias do Ministério do Interior, cargo no qual mantinha relação direta com os governadores. Entre 2011 e 2015, foi ministra da Economia da província de Buenos Aires.

A designação de Batakis foi o único ponto de acordo depois de intensas negociações entre o presidente Alberto Fernández e a sua vice, Cristina Kirchner, que detém o poder na coalizão de governo.

"Alberto Fernández procurou mais do que um ministro da Economia. Procurou um mecanismo de resolução dos conflitos internos dentro da coalizão de governo. Não foi uma questão de nomes, nem mesmo de ideias. É uma questão de consenso porque a renúncia do ministro Martín Guzmán evidenciou a perda de autoridade do presidente para liderar a coalizão", explica à RFI o cientista político Lucas Romero, diretor da consultora Synopsis.

Falta de interessados

Durante todo o domingo, pelo menos, outros seis candidatos sondados pelo governo rejeitaram o cargo. Todos pediram para ter o controle total sobre as decisões econômicas e um acordo político entre o presidente e a vice para a implementação de reformas. Os requisitos não foram atendidos.

Diante da ausência de interessados, o governo já avaliava declarar feriado bancário e cambial nesta segunda-feira. Foi quando, no final da noite, apareceu quem aceitou assumir o cargo num governo enfraquecido.

"Os que decidem como este governo vai continuar a partir de agora são pessoas com menos de 20% de imagem positiva (Alberto Fernández,15%; Cristina Kirchner, 20%) e com mais de 70% de imagem negativa. Não podem propor nada à sociedade porque não existe confiança. As chances de dar errado são altas porque os que conduzem a coalizão de governo não têm credibilidade", aponta o consultor e analista político Jorge Giacobbe.

A presença de Silvina Batakis representa uma intervenção ainda maior da vice-presidente no governo. O ex-ministro Martín Guzmán era, ao lado dos ministros do Trabalho e das Relações Exteriores, um dos únicos que respondiam a Alberto Fernández. Todos os demais respondem à vice-presidente Cristina Kirchner que, aos poucos, tem substituído aqueles com cujas medidas não concorda. No mês passado, já tinha forçado a renúncia do ministro da Produção, Matías Kulfas.

A resposta do mercado financeiro

A crise política que arrasta a economia terá nesta segunda-feira (4) uma prova crucial diante da reação dos agentes financeiros locais ao novo nome. No entanto, será um teste apenas parcial já que, com o feriado pelo dia da Independência nos Estados Unidos, o mercado de títulos públicos em dólares e o índice de risco-país só retornam na terça-feira. Mesmo assim, a referência doméstica deve passar por fortes turbulências nos próximos dias.

"A única maneira de o governo gerar expectativas positivas é mostrar à sociedade como vai corrigir as contas públicas. Para isso, precisa apresentar um plano econômico sustentável. E, para que um plano seja implementado, é preciso um poder político que não parece haver. As expectativas negativas sobre a economia não serão revertidas só com uma mudança de nome no Ministério da Economia", avalia o analista de mercado de capitais Claudio Zuchovicki, uma referência no país.

O mercado quer saber o quão comprometida está a nova ministra com as metas do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e quais serão as medidas econômicas destinadas a conter a crise financeira gerada pelo déficit fiscal crescente, pela emissão monetária sem respaldo, pelo endividamento interno descontrolado e pela inflação galopante prevista entre 80% e 100%, em 2022.

"O verdadeiro conflito é entre Cristina Kirchner e o FMI. Essa é a gênese do problema. É difícil que Cristina Kirchner aceite o acordo financeiro firmado pelo governo com o Fundo Monetário Internacional", indica Lucas Romero.

Resta saber se a nova ministra seguirá a cartilha da sua aliada, Cristina Kirchner, para quem o gasto público não gera inflação.

"Não é que eu tenha me tornado apologista do déficit fiscal, mas honesta e simplesmente não acredito que essa seja a única causa da desproporcional inflação estrutural na Argentina", insistiu Cristina Kirchner no sábado (2) num discurso pronunciado enquanto o então ministro da Economia, Martín Guzmán, renunciava, cansado dos ataques permanentes e da falta de poder para decidir medidas econômicas.

Alberto Fernández e Cristina Kirchner não se falam há meses, mas, para escolher um substituto, o presidente precisava da aprovação da sua vice. Foram necessários vários interlocutores para uma conversa telefônica que representasse uma trégua numa crise política que ameaça a governabilidade.

"O nome do novo ministro precisava ter o aval de Cristina Kirchner. Os demais candidatos pediram esse consenso. Sem isso, seria como o anterior ministro que não mandava", conclui Lucas Romero.